quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

AULA 3 - TEXTO PUBLICITÁRIO

“Ler para matar tempo é a mesma coisa que solucionar erradamente problemas de matemática” (Donald Laird) .

TEXTO PUBLICITÁRIO

A propaganda se utiliza de linguagem apelativa e visa tornar algum produto ou empresa "simpático", ou seja, procura quebrar as resistências, fazer com que os consumidores tenham opinão favorável ao produto ou empresa e mudem o comportamento aceitando a sugestão do anúncio.

Há outros detalhes e observações que são estudados quando se fala em publicidade, mas para limitar o trabalho que será feito em sala sobre o livro escolhido pelo aluno, resumiremos em quatro tópicos simplificados:

- Título: Destacar o título do livro;

- Slogan: É uma frase ou expressão que procura destacar a principal qualidade ou idéia do livro, no original em gálico é "sluagh-gharim" que significa grito de guerra;

- Imagem: Ilustrações ou fotos relacionadas com o conteúdo do livro;

- Texto: Contar o início da história, fazendo um pouco de suspense, sem contar o final... isso é para despertar o interesse de outros leitores para procurar o mesmo livro.

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Processo de Leitura

Você é capaz de decifrar o texto abaixo?

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

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Leitura em sala - escolher um título para o texto abaixo:

Logo que colocou os objetos embaixo da carteira, Pitu encontrou o bilhete. Leu, ficou vermelho, colocou no bolso, não mostrou para ninguém. De vez em quando, mordia-lhe uma curiosidade grande, uma vontade de reler para ter certeza. Era uma revelação que ele não estava esperando. Não podia dizer que estivesse achando ruim, pelo contrário... Ele estava com vontade de olhar para trás, para as últimas carteiras e procurar por uma resposta com o olhar. Era um tímido e não se encorajava. A professora explicava num mapa as regiões do Brasil e ele viajava num rumo diferente. Ainda bem que ela não estava olhando para ele, nem fazendo perguntas, só estava expondo a matéria. Na hora da verificação, acabaria saindo-se mal. Não gostava de ignorar as coisas perguntadas. Só não se saia muito bem quando se tratava de fazer contas de números fracionários. A professora mesma dizia-lhe que em Português e matéria de leitura e entendimento ele se saía bem; mas nos cálculos tinha dificuldades.
Agora estava distante, pensava em poesias românticas, em música sentimental. Estava meio perdido nos pensamentos confusos. O bilhete queimando no bolso. Uma vontade de relê-lo, palavra por palavra. Interessante, não era um bilhete bem escrito, tinha até erro de Português - porque a curiosidade? Só ele sabia dele, não foi como no dia do correio-elegante, pai, mãe e seu Francisco do armazém querendo saber, dando palpites. Agora tinha um bilhete e era diferente. Tinha um bilhete que trazia uma declaração de amor e uma assinatura. Trazia mais: trazia um convite para um bate-papo na praça, às duas horas, se ele quisesse namorar de verdade. Marina era bonitinha, ele queria. Falta-lhe jeito de dizer, tinha que escrever um bilhete respondendo, era mais fácil. No intervalo, escreveu o bilhete, fechado no banheiro. Quando ela chegou, a resposta a esperava na carteira.
Quase no fim da aula, ele criou força e olhou para trás. Marina sorria, confirmando. Ele sorria também. Diversas vezes, ele olhou pra trás e a encontrou olhando. Trocaram sorrisos e olhares. Os dois estavam vivendo uma ternura primeira e não sabiam escondê-la mais. Tanto assim que a professora pediu que ele virasse pra frente, observando o que estava pedindo pra pesquisa do fim de semana. Naquele fim de semana, ele iria pesquisar alguma coisa nova que não tinha experimentado, como alguns outros de sua idade e turma.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

8ª SÉRIE - REVOLUÇÃO DOS BICHOS

LINK DE ORIGEM DA VERSÃO PUBLICADA:
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/infantis/a_revolucao_dos_bichos.htm

ABAIXO SEGUE O TEXTO
Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks, com autorização do AUTOR. A REVOLUÇÃO DOS BICHOS. George Orwell
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Todos os direitos reservados a Editora Virtual Books Online M&M Editores Ltda.

A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
George Orwell

APRESENTAÇÃO
George Orwell foi um libertário. “A Revolução dos Bichos”, em suas metáforas, revela uma aversão a toda espécie de autoritarismo, seja ele familiar, comunitário, estatal, capitalista ou comunista. A obra é de uma genial atualidade. Apesar de tudo o
que alguns poucos homens já fizeram e lutaram, ainda estamos e vivemos sob os que insistem em
dominar aquém da ética e além da lei. Sejamos
diligentes, a luta continua. Um dia conseguiremos
distinguir a diferença entre porcos e homens.
Nélson Jahr Garcia

CAPÍTULO I
O Sr. Jones. proprietário da Granja do Solar, fechou
o galinheiro à noite, mas estava bêbado demais
para lembrar-se de fechar também as vigias. Com o
facho de luz da sua lanterna balançando de um lado
para o outro, atravessou cambaleante o pátio, tirou
as botas na porta dos fundos, tomou um último
copo de cerveja do barril que havia na copa, e foi
para a cama, onde sua mulher já ressonava.
Tão logo apagou-se a luz do quarto, houve um
grande alvoroço em todos os galpões da granja.
Correra. durante o dia, o boato de que o velho Major,
um porco que já se sagrara grande campeão
numa exposição, tivera um sonho muito estranho
noite anterior e desejava contá-lo aos outros animais.
Haviam combinado encontrar-se no celeiro,
assim que Jones se retirasse. O velho Major (chamavam-
no assim, muito embora ele houvesse comparecido
a exposição com o nome de “Beleza de
Willingdon”) gozava de tão alto conceito na granja,
que todos estavam dispostos a perder uma hora de
sono só para ouvi-lo.
Ao fundo do grande celeiro, sobre uma espécie de
estrado. estava o Major refestelado em sua cama
de palha, sob um lampião que pendia de uma viga.
Com doze anos de idade, já bastante corpulento,
era ainda um porco de porte majestoso, com um ar
sábio e benevolente, a despeito de suas presas
jamais terem sido cortadas. Os outros animais
chegavam e punham-se a cômodo, cada qual a seu
modo. Os primeiros foram os três cachorros,
Ferrabrás, Lulu e Cata-vento, depois os porcos, que
se sentaram sobre a palha, em frente ao estrado.
As galinhas empoleiraram-se nas janelas, as
pombas voaram para os caibros do telhado, as
ovelhas e as vacas deitaram-seatrás dos porcos e
ali ficaram a ruminar. Os dois cavalos de tração,
Sansão e Quitéria, chegaram juntos, andando
lentamente e pousando no chão os enormes cascos
peludos, com grande cuidado para não machucar
qualquer animalzinho porventura oculto na palha.
Quitéria era uma água volumosa, matronal já
chegada à meia-idade, cuja silhueta não mais se
recompusera após o nascimento do quarto potrinho.
Sansão era um bicho enorme, de quase um metro e
noventa de altura, forte como dois cavalos. A
mancha branca do focinho dava-lhe um certo ar de
estupidez e, realmente, não tinha lá uma
inteligência de primeira ordem, embora fosse
grandemente respeitado pela retidão de caráter e
pela tremenda capacidade de trabalho. Depois dos
cavalos chegaram Maricota, a cabra branca, e
Benjamim, o burro. Benjamin era o animal mais
idoso da fazenda, e o mais moderado. Raras vezes
falava e, normalmente, quando o fazia, era para
emitir uma observação cínica - para dizer, por
exemplo, que Deus lhe dera uma cauda para
espantar as moscas e que, no entanto, seria mais
do seu agrado não ter nem a cauda nem as moscas.
Era o único dos animais que nunca ria. Quando lhe
perguntavam por que, respondia não ver motivo
para riso. Não obstante, sem que o admitisse
abertamente, tinha certa afeição por Sansão;
normalmente passavam os domingos juntos no
pequeno potreiro existente atrás do pomar,
pastando lado a lado em silêncio.
Mal se haviam acomodado os dois cavalos quando
uma ninhada de patinhos órfãos desfilou celeiro
adentro, piando baixinho e procurando um lugar
onde não fossem pisoteados. Quitéria protegeu-os
com a pata dianteira e os patinhos ali se
aconchegaram, caindo no sono. No último instante,
Mimosa, a égua branca, vaidosa e fútil, que puxava
a aranha do Sr. Jones, entrou, requebrando-se
graciosamente e chupando um torrão de açúcar.
Tomou um lugar bem a frente e ficou meneando a
sua crina branca, na esperança de chamar atenção
para as fitas vermelhas que a adornavam.
Finalmente, chegou o gato, que procurou, como
sempre, o lugar mais morno, enfiando-se entre
Sansão e Quitéria; ressonou satisfeito durante toda
a fala do Major, sem ouvir uma só palavra.
Todos os animais estavam presentes, exceto
Moisés, o corvo domesticado, que dormia fora, num
poleiro junto à porta dos fundos. Quando o Major os
viu bem acomodados e aguardando atentamente,
limpou a garganta e começou:
- “Camaradas, já ouvistes, por certo, algo a
respeito do estranho sonho que tive a noite
passada. Entretanto, falarei do sonho mais tarde.
Antes, as coisas a dizer. Sei, camaradas, que não
estarei convosco por muito tempo e antes de morrer
considero uma obrigação transmitir-vos o que tenho
aprendido sobre o mundo. Já vivi bastante e muito
tenho refletido na solidão da minha pocilga. Creio
poder afirmar que compreendo a natureza da vida
sobre esta terra, tão bem quanto qualquer outro
animal. É sobre isso que desejo falar-vos.
“Então, camaradas, qual é a natureza da nossa
vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é
miserável, trabalhosa e curta. Nascemos,
recebemos o mínimo de alimento necessário para
continuar respirando e os que podem trabalhar são
forçados a fazê-lo até a última parcela de suas
forças; no instante em que nossa utilidade acaba,
trucidam-nos com hedionda crueldade. Nenhum
animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou
lazer, após completar um ano de vida. Nenhum
animal, na Inglaterra, é livre. A vida de um animal é
feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua
e crua.
“Será isso, apenas, a ordem natural das coisas?
Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça
condições de vida decente aos seus habitantes?
Não, camaradas, mil vezes não! O solo da
Inglaterra é fértil, o clima é bom, ela pode oferecer
alimentos em abundância a um número de animais
muitíssimo maior do que o existente. Só esta nossa
fazenda comportaria uma dúzia de cavalos, umas
vinte vacas centenas de ovelhas - vivendo todos
num com uma dignidade que, agora, estão além de
nossa imaginação. Por que, então, permanecemos
nesta miséria? Porque quase todo o produto do
nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos.
Eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos
problemas. Resume-se em uma só palavra -
Homem. O homem é o nosso verdadeiro e único
inimigo. Retire-se da cena o Homem, e a causa
principal da fome e da sobrecarga de trabalho
desaparecerá para sempre.
“O Homem é a única criatura que consome sem
produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais
para puxar o arado, não corre o suficiente para
alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de
todos os animais. Põe-nos a trabalhar, dá-nos de
volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o
restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso
estrume o fertiliza e, no entanto, nenhum de nós
possui mais do que a própria pele. As vacas, que
aqui vejo à minha frente, quantos litros de leite
terão produzido este ano? E que aconteceu a esse
leite, que deveria estar alimentando robustos
bezerrinhos? Desceu pela garganta dos nossos
inimigos. E as galinhas, quanto ovos puseram este
ano, e quantos se transformaram em pintinhos? Os
restantes foram para o mercado, fazer dinheiro para
Jones e seus homens. E você, Quitéria, diga-me
onde estão os quatro potrinhos que deveriam ser o
apoio e o prazer da sua velhice? Foram vendidos
com a idade de um ano - nunca você tornará a vê-
los. Como paga pelos seus quatro partos e por todo
o seu trabalho no campo, que recebeu você, além
de ração e baia?
“Mesmo miserável como é, nossa vida não chega ao
fim de modo natural. Não me queixo por mim que
tive até muita sorte. Estou com doze anos e sou pai
de mais de quatrocentos porcos. Isto é a vida
normal de um varrão. Mas, no fim, nenhum animal
escapa ao cutelo. Vós, jovens leitões que estais
sentados a minha frente, não escapareis de
guinchar no cepo dentro de um ano. Todos
chegaremos a esse horror, as vacas, os porcos, as
galinhas, as ovelhas, todos. Nem mesmo os cavalos
e os cachorros escapam a esse destino. Você,
Sansão, no dia em que seus músculos fortes
perderem a rigidez, Jones o mandará para o
carniceiro e você será degolado e fervido para os
cães de caça. Quanto aos cachorros, depois de
velhos e desdentados, Jones amarra-lhes uma
pedra ao pescoço e joga-os na primeira lagoa.
“Não está, pois, claro como água, camaradas, que
todos os males da nossa existência têm origem na
tirania dos seres humanos? Basta que nos livremos
do Homem para que o produto de nosso trabalho
seja somente nosso. Praticamente, da noite para o
dia, poderíamos nos tornar ricos e livres. Que fazer,
? Trabalhar dia e noite, de corpo e alma, para a
derrubada do gênero humano. Esta é a mensagem
eu vos trago, camaradas: Revolução! Não sei
quando sairá esta Revolução, pode ser daqui a uma
semana, ou daqui a um século, mas uma coisa eu
sei, tão certo quanto o ter eu palha sob meus pés:
mais cedo ou mais tarde, justiça será feita. Fixai
camaradas isso, para o resto de vossas curtas
vidas! E, sobretudo, transmiti esta minha
mensagem aos que virão depois de vós, para que
as futuras gerações prossigam na luta, até a
vitória.
“E lembrai-vos, camaradas, jamais deixai fraquejar
vossa decisão. Nenhum argumento poderá detervos.
Fechai os ouvidos quando vos disserem que o
Homem e os animais têm interesses comuns, que a
prosperidade de um é a prosperidade dos outros. É
tudo mentira. O Homem não busca interesses que
não os dele próprio. Que haja entre nós, uma
perfeita unidade, uma perfeita camaradagem na
luta. Todos os homens são inimigos, todos os
animais são camaradas.”
Nesse momento houve uma tremenda confusão.
Enquanto o Major falava, quatro ratos haviam
emergido de seus buracos e estavam sentados nas
patinhas de trás, a ouvi-lo. De repente, os
cachorros lhes deram, pela presença, e somente
devido à rapidez com que sumiram nos buracos foi
que os ratos conseguiram escapar com vida. O
Major levantou a pata, pedindo silêncio.
- “Camaradas - disse ele -, eis aí um ponto que
precisa ser esclarecido. As criaturas selvagens, tais
como os ratos e os coelhos, serão nossos amigos
ou nossos inimigos? Coloquemos o assunto em
votação. Apresento à assembléia a seguinte
questão: os ratos são camaradas?”
A votação foi realizada imediatamente e concluiuse,
por esmagadora maioria, que os ratos eram
camaradas. Houve apenas quatro votos contra, dos
três cachorros e do gato que, depois se descobriu
votara pelos dois lados. O Major prosseguiu:
- “Pouco mais tenho a dizer. Repito apenas:
lembrai-vos sempre do vosso dever de inimizade
para com o Homem e todos os seus desígnios.
Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é
inimigo, qualquer coisa que ande sobre quatro
pernas, ou tenha asas, é amigo. Lembrai-vos
também de que na luta contra o Homem não
devemos assemelhar-nos a ele. Mesmo quando o
tenhais derrotado, evitai seus vícios. Animal
nenhum deve morar em nem dormir em camas, nem
usar roupas, nem beber álcool, nem fumar, nem
tocar em dinheiro, nem fazer comércio. Todos os
hábitos do Homem são maus. E, principalmente,
jamais um animal deverá tiranizar outros animais.
Todos os animais são iguais.
“E agora, camaradas, vou contar-vos o sonho que
tive a noite passada. Não sei como explicá-lo. Foi
um sonho sobre como será o mundo quando o
Homem desaparecer. Mas lembrou-me algo que há
muito eu esquecera. Há anos, quando eu ainda um
leitãozinho, minha mãe e as outras porcas
costumavam cantar uma antiga canção da qual só
conheciam a melodia e as três primeiras palavras.
Na minha infância aprendi a melodia, depois a
esqueci. A noite passada, entretanto, ela me voltou
à memória, O mais interessante é que me lembrei
também dos versos - os quais, tenho certeza, foram
cantados pelos animais de antanho, e depois
esquecidos durante várias gerações. Vou cantar
essa canção, camaradas. Estou velho e minha voz é
rouca, mas quando vos houver ensinado a melodia,
podereis cantá-la melhor do que eu. Chama-se
Bichos da Inglaterra.”
O velho Major - limpou a garganta e começou a
cantar. De fato, a voz era roufenha, mas ele
cantava razoavelmente, e a melodia era bem
movimentada, algo entre Clementine e La
Cucaracha. Os versos diziam o seguinte:
Bichos ingleses e irlandeses,
Bichos de todas as partes!
Eis a mensagem de esperança,
No futuro que virá!
Cedo ou tarde virá o dia,
Cairá a tirania
E os campos todos da Inglaterra
Só aos bichos caberão!
Não mais argolas em nossas ventas,
Dorsos livres dos arreios,
Freios e esporas, descartados,
Chicotadas abolidas!
Muito mais ricos do que sonhamos
Possuiremos daí por diante
O trigo, o feno, e a cevada,
Pasto aveia e feijão!
Brilham os campos da Inglaterra,
Águas puras rolarão.
Ventos leves soprarão
Saudando a redenção!
Lutemos todos por esse dia
Mesmo que nos custe a vida!
Cavalos, vacas, perus e gansos,
Liberdade conquistemos!
Bichos ingleses e irlandeses,
Bichos de todas as partes!No futuro que virá!
O canto levou os animais à mais extrema excitação.
Antes de o Major chegar ao fim, já haviam
começado a cantar por conta própria. Até os mais
estúpidos pegaram a melodia e algumas palavras;
os mais espertos, como os porcos e os cachorros
decoraram a canção em poucos minutos. Então,
depois de alguns ensaios preliminares, toda a
granja atacou Bichos da Inglaterra, em formidável
uníssono. As vacas mugiam a canção, os cachorros
latiam-na, as ovelhas baliam-na, os cavalos
relinchavam-na, os patos grasnavam-na. Tal foi o
enlevo, que cantaram de ponta a ponta, cinco vezes
sucessivamente, e teriam continuado a noite inteira
se não fossem interrompidos.
Infelizmente, o alarido acordou Jones, que pulou da
cama certo de que havia raposa no pátio. Deu de
mão na espingarda, sempre pronta a um canto do
quarto, e descarregou-a na escuridão. O chumbo foi
encravar-se na parede do celeiro, e a reunião
dispersou-se num abrir e fechar de olhos. Cada qual
correu para seu pouso. As aves saltaram para os
poleiros, o gado deitou-se na palha e, em poucos
instantes, toda a fazenda dormia.

CAPÍTULO II
Daí a três noites faleceu o velho Major,
tranqüilamente, durante o sono. Seu corpo foi
enterrado no fundo do pomar.
Começava o mês de março. Durante os três meses
seguintes houve uma intensa atividade secreta.
As palavras do Major haviam dado uma perspectiva
de vida inteiramente nova aos animais de maior
inteligência da granja. Não sabiam quando teria
lugar a Revolução prevista pelo Major, nem tinham
razões para acreditar que fosse durante a existência
deles próprios, mas percebiam claramente o dever
de prepararem-se para ela. A tarefa de instruir e
organizar os outros recaiu naturalmente sobre os
porcos, reconhecidamente os mais inteligentes
entre os animais. Salientavam-se, entre eles, dois
jovens varrões, Bola-de-Neve e Napoleão, que o Sr.
Jones criava para vender. Napoleão era um cachaço
Berkshire, de aparência ameaçadora, o único
Berkshire da fazenda, pouco falante, mas com a
reputação de possuir grande força de vontade. Bolade-
Neve era mais ativo do que Napoleão, de
palavra mais fácil e mais imaginoso, porém não
gozava da mesma reputação quanto à solidez do
caráter. Todos os demais porcos da fazenda eram
castrados. Dentre estes, o mais conhecido era
porquinho gordo chamado Garganta, de bochechas
redondas, olhos sempre piscando, movimentos
lépidos e voz aguda. Manejava a palavra com brilho
e, quando discutia algum ponto mais difícil, tinha o
hábito de dar pulinhos de um lado para o outro e
abanar o rabicho, o que era assaz persuasivo.
Diziam que Garganta era capaz de convencer que o
preto era branco.
Esses três haviam organizado os ensinamentos do
Major num sistema de pensamento a que deram o
nome de Animalismo. Várias noites por semana,
depois que Jones dormia, realizavam reuniões
secretas no celeiro e expunham aos outros os
princípios do Animalismo. De início, encontraram
certa apatia e muita estupidez. Alguns animais
mencionaram o dever de lealdade para com Jones, a
quem se referiam como o “Dono”, ou fizeram
comentários elementares do tipo: “Seu Jones nos
alimenta. Se ele fosse embora, nós morreríamos de
fome.” Outros faziam perguntas como: “Que nos
importa o que acontecerá depois da nossa morte?”
ou: “Se essa Revolução vai ocorrer de qualquer
maneira, que diferença faz trabalharmos por ela ou
não?”, e os porcos enfrentavam grandes dificuldades
para fazê-los ver que isso era contrário ao espírito
do Animalismo. As perguntas mais estúpidas eram
sempre as de Mimosa a égua branca. A primeira
pergunta que fez a Bola-de-Neve foi:
- Continuará havendo açúcar, depois da Revolução?
- Não - respondeu Bola-de-Neve, firmemente. - Não
dispomos de meios para obter açúcar nesta
fazenda. Além disso, você não necessita de açúcar.
Mas terá a aveia e o feno que quiser.
- E eu ainda poderei usar laços de fita na crina? -
perguntou Mimosa.
- Camarada - explicou Bola-de-Neve -,essas fitas
que você tanto estima são o distintivo da
escravidão. Será que você não compreende que
liberdade vale mais do que laços de fita?
Mimosa sempre concordava, mas não dava a
impressão de estar lá muito convencida.
Muito mais ainda lutaram os porcos para neutralizar
as mentiras espalhadas por Moisés, o corvo
doméstico. Moisés, bicho de estimação do Jones,
era um espião linguarudo, mas também hábil na
conversa. Afirmava a existência de uma região
misteriosa, “Montanha de Açúcar”, para onde iam os
animais após a morte. Essa montanha estava
situada em algum lugar do céu, pouco acima das
nuvens, segundo dizia Moisés. Na Montanha de
Açúcar, os sete dias da semana eram domingo, o
campo floria o ano inteiro, e cresciam torrões de
açúcar bolos de linhaça nas sebes. Os animais
detestavam Moisés, porque vivia contando histórias
e não trabalhava, porém alguns acreditavam na
Montanha Açúcar e os porcos tiveram grande
trabalho para convencê-los de que tal lugar não
existia.
Os discípulos mais fiéis eram os dois cavalos de
tração, Sansão e Quitéria. Ambos tinham enorme
dificuldade em pensar qualquer coisa por si próprios
todavia, aceitando os porcos como professores,
absorviam tudo quanto lhes era dito e passavam
adiante para os outros animais, por simples
repetição. Nunca deixavam de comparecer aos
encontros secretos no celeiro e davam o tom para o
hino Bichos da Inglaterra, que sempre encerrava as
reuniões.
Afinal, a Revolução ocorreu muito mais cedo e mais
facilmente do que se esperava. Jones fora, no
passado, um patrão duro, porém eficiente. Agora
estava em decadência. Desestimulado com a perda
de dinheiro numa ação judicial, dera para beber
bastante além do conveniente. As vezes passava
dias inteiros recostado em sua cadeira de braços,
na cozinha, lendo os jornais, bebendo e dando a
Moisés cascas de pão molhadas na cerveja. Seus
peões eram vadios e desonestos, o campo estava
coberto de erva daninha, os galpões necessitavam
de telhas novas, as cercas estavam abandonadas e
os animais andavam mal alimentados.
Junho chegou, e o feno estava quase pronto para o
corte. No dia 23 de junho, um sábado, Jones foi a
Willingdon e bebeu tanto no Leão Vermelho, que só
regressou ao meio-dia de domingo. Os homens
ordenharam as vacas de manhã cedo e saíram para
caçar lebres, sem se preocuparem com a
alimentação dos animais. Ao voltar, Jones foi dormir
no sofá da sala com o News of the World sobre o
rosto; portanto, ao cair da tarde, os animais ainda
não haviam comido. Aquilo foi insuportável. Uma
das vacas rebentou a chifradas a porta do depósito
e os bichos avançaram sobre o alimento. Nesse
momento Jones acordou. Num instante, ele e seus
homens estavam no depósito com os chicotes na
mão, batendo a torto e a direito. Isso ultrapassou a
tudo quanto os animais famintos podiam suportar.
De comum acordo, muito embora nada tivesse sido
anteriormente planejado, lançaram-se sobre seus
verdugos. Jones e os homens viram-se de repente
marrados e escoiceados por todos os lados. A
situação lhes fugira ao controle. Jamais haviam
visto os animais portarem-se daquela maneira, e a
súbita revolta de criaturas a quem estavam
acostumados a surrar e maltratar à vontade,
apavorou-os. Em poucos instantes desistiram de
defender-se e deram o fora. Um minuto depois, os
cinco voavam pela trilha rumo à estrada principal,
com os bichos a persegui-los triunfantes.
A mulher de Jones olhou pela janela do quarto, viu
o que acontecia, reuniu às pressas alguns haveres
dentro de uma bolsa de pano e escapuliu da granja
por outro caminho. Moisés levantou vôo do poleiro e
bateu asas atrás dela, grasnando ruidosamente.
Enquanto isso, os bichos haviam posto Jones e os
peões para fora da granja, fechando atrás deles a
porteira das cinco barras. E assim, antes de
perceberem o que sucedera, a Revolução estava
feita. Jones fora expulso e a Granja do Solar era
deles.
Durante os primeiros cinco minutos, os animais mal
puderam acreditar na sorte. Seu primeiro ato foi
galopar pelos limites da granja, como para verificar
se nenhum ser humano ficara escondido; depois
correram de volta às casas da granja, para varrer os
últimos vestígios do odiado império de Jones. O
galpão dos arreios, no fundo dos estábulos, foi
arrombado; freios, argolas de nariz, correntes de
cachorro, as cruéis facas com que Jones castrava os
porcos e os cordeiros, foi tudo atirado ao fundo do
poço. As rédeas, os cabrestos, os antolhos e os
degradantes bornais foram jogados à fogueira que
ardia no pátio. Destino idêntico tiveram os relhos.
Os bichos pulavam de contentamento ao verem os
chicotes em chamas. Bola-de-Neve jogou também
ao fogo as fitas que usualmente enfeitavam as
crinas e caudas dos cavalos em dias de feira.
Fitas - disse ele - devem ser consideradas roupas,
que são o distintivo do ser humano. Todos os
animais devem andar nus.
Ao ouvir isso, Sansão foi buscar o chapeuzinho de
palha que usava, no verão, para afastar as moscas
de suas orelhas, e jogou-o também no fogo.
Em curto tempo, os bichos destruíram tudo quanto
lhes recordava Jones. Napoleão conduziu-os de
volta ao depósito de forragem e serviu uma ração
dupla de cereais para todo mundo, com dois
biscoitos para cada cachorro. Depois cantaram
Bichos da Inglaterra de ponta a ponta, sete vezes,
uma atrás da outra, deitaram-se e dormiram como
nunca.
Acordaram, porém, de madrugada, como sempre, e,
ao lembrarem-se do glorioso acontecimento da
véspera, correram para a pastagem. A pequena
distância havia uma colina que comandava a vista
de quase toda a fazenda. Os animais subiram ao
topo e olharam em volta, à luz clara da manhã.
Sim, era deles - tudo quanto enxergavam era deles!
No êxtase desse pensamento, viraram cambalhotas
e saltaram, num arroubo de contentamento.
Molharam-se no orvalho, morderam a deliciosa
grama do verão, arrancaram torrões de terra e
aspiraram aquele cheiro delicioso. Depois fizeram
um circuito de inspeção em toda a granja,
vistoriando, com muda admiração, a lavoura, o
campo de feno, o pomar, a lagoa e o bosque. Era
como se, anteriormente, nunca tivessem visto
aquilo, e mal podiam acreditar: tudo era deles.
Voltaram, então, para as casas da granja e pararam
silenciosos junto à porta da casa-grande. Era deles
também, mas sentiram um certo receio de entrar.
Depois de alguns instantes, porém, Bola-de-Neve e
Napoleão forçaram a porta, e os animais entraram,
em fila, caminhando com o maior cuidado para não
desarrumar nada. Andaram na ponta dos pés, de um
aposento para o outro, falando baixinho e olhando
com certa reverência o luxo inacreditável, as camas,
os colchões de penas, os espelhos, os sofás de
crina, o tapete de Bruxelas, a litografia da Rainha
Vitória sobre a lareira da sala. Quando desciam as
escadas, deram pela falta de Mimosa. Voltando,
descobriram-na no quarto principal. Havia apanhado
no toucador da Sra. Jones um pedaço de fita azul e
segurava-o contra a espádua, admirando-se no
espelho, com trejeitos ridículos. Repreenderam-na
acerbamente e saíram todos. Alguns presuntos,
pendurados na cozinha, foram levados para fora e
enterrados; o barril de cerveja da copa foi
rebentado com um coice de Sansão; além disso,
nada mais foi tocado na casa. Ali mesmo foi
aprovada por unanimidade a resolução de conservá-
la como museu. Concordaram em que nenhum
animal jamais deveria habitá-la.
Os bichos tomaram a refeição matinal e foram outra
vez convocados por Bola-de-Neve e Napoleão.
- Camaradas - disse Bola-de-Neve -, seis e quinze,
e temos um longo dia pela frente. Iniciaremos hoje
a colheita do feno. Mas antes há um outro assunto
para tratarmos.
Os porcos revelaram que durante os últimos três
meses haviam aprendido a ler e escrever, num velho
livro de ortografia dos filhos de Jones, que fora
jogado no lixo. Napoleão mandou buscar latas de
tinta preta e branca e conduziu-os até a porteira
das cinco barras que dava para a estrada principal.
Então, Bola-de-Neve (que era quem escrevia
melhor) pegou o pincel entre as juntas da pata,
apagou o nome GRANJA DO SOLAR do travessão
superior e, em seu lugar escreveu GRANJA DOS
BICHOS. Seria esse o nome da granja daquele
momento em diante. Depois disso, voltaram para as
casas da granja; Bola-de-Neve e Napoleão
mandaram buscar uma escada e ordenaram que
fosse encostada à parede do fundo do celeiro
grande. Explicaram que, segundo os estudos que
haviam feito nos últimos três meses, era possível
resumir os princípios do Animalismo em Sete
Mandamentos. Esses Sete Mandamentos, que
seriam agora escritos na parede, constituiriam a lei
inalterável pela qual a Granja dos Bichos deveria
reger sua vida a partir daquele instante, para
sempre.
Com alguma dificuldade (pois não é fácil um porco
equilibrar-se numa escada de mão), Bola-de-Neve
subiu e começou a trabalhar, enquanto Garganta,
alguns degraus abaixo, segurava a lata de tinta. Os
Mandamentos foram escritos na parede alcatroada
em grandes letras brancas que podiam ser lidas a
muitos metros de distância.
Eis o que dizia o letreiro:
OS SETE MANDAMENTOS
1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é
inimigo.
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas,
ou tenha asas, é amigo.
3. Nenhum animal usará roupas.
4. Nenhum animal dormirá em cama.
5. Nenhum animal beberá álcool.
6. Nenhum animal matará outro animal.
7. Todos os animais são iguais.
Estava tudo muito bem escrito, com exceção da
palavra “álcool”, que foi escrita “álcol”, e de um dos
esses, que foi desenhado ao contrário. O conjunto
ficou bastante bom, e Bola-de-Neve leu-o em voz
alta para os demais. Todos os animais balançaram a
cabeça, de pleno acordo, e os mais vivos
começaram imediatamente a decorar os
Mandamentos.
- E agora, camaradas - disse Bola-de-Neve,
deixando cair o pincel, ao campo de feno! É uma
questão de honra realizar a colheita em menos
tempo do que Jones e seus homens. .-
Nesse momento, porém, as vacas, que já vinham
dando sinais de inquietação, começaram a mugir.
Havia vinte e quatro horas que não eram
ordenhadas e estavam com os úberes quase
estourando. Depois de alguma reflexão, os porcos
pediram baldes e ordenharam as vacas com relativo
êxito, pois seus cascos adaptavam-se bem à tarefa.
Em breve obtinham cinco baldes de um leite
espumante e cremoso, que muitos bichos olharam
com considerável interesse.
- Que vamos fazer com esse leite? - perguntou
alguém.
- Jones às vezes misturava um pouco ao nosso
farelo - disse uma galinha.
- Não se preocupem com o leite, camaradas! -
gritou Napoleão, postando-se à frente dos baldes.
- Nós trataremos deste assunto. A colheita é mais
importante. O camarada Bola-de-Neve os conduzirá.
Eu seguirei dentro de alguns minutos. Avante,
camaradas! O feno está à espera.
Os animais marcharam rumo ao campo de feno,
para o início da colheita, e quando voltaram, à
tardinha, notaram que o leite havia desaparecido.

CAPÍTULO III
E como trabalharam para juntar aquele feno! Mas o
esforço foi recompensado, pois a colheita deu um
resultado muito melhor do que esperavam.
Por vezes, a tarefa foi dura; os implementos
destinavam-se ao uso de seres humanos e foi uma
enorme desvantagem o fato de nenhum bicho poder
utilizar ferramentas que exigissem a posição em pé
sobre as patas traseiras. Mas os porcos eram tão
imaginosos que conseguiram contornar todas as
dificuldades. Os cavalos conheciam cada palmo do
terreno e na realidade sabiam ceifar e raspar muito
melhor do que Jones e os empregados, Os porcos
não trabalhavam, propriamente, mas dirigiam e
supervisionavam o trabalho dos outros. Donos de
conhecimentos maiores, era natural que
assumissem a liderança. Sansão e Quitéria
atrelavam-se à ceifadeira ou à grade (naturalmente
não havia mais necessidade de freios e rédeas) e
andavam pelo campo para lá e para cá, com um
porco atrás gritando “Eia, camarada!” ou “A volta,
agora, camarada!”, conforme o caso. E cada animal,
até os mais modestos, trabalhou para colher e
juntar o feno. Até os patos e as galinhas andavam
o dia inteiro sob o sol, carregando no bico
pequeninos feixes de feno. Enfim, terminaram a
colheita dois dias antes do tempo que Jones e seus
empregados normalmente levavam. Mas, além
disso, foi a maior colheita que jamais se realizara
ali. Não houve qualquer desperdício; as galinhas e
os patos, com sua vista penetrante, juntaram até o
menor talinho. E nenhum animal na granja roubou
sequer uma bocada.
Durante todo aquele verão o trabalho da granja
andou como um relógio. Os bichos, felizes como
nunca. Cada bocado de comida constituía um
extremo prazer, agora que a comida era realmente
deles, produzida por eles e para eles, em vez de
distribuída em pequenas quantidades por um dono
cheio de má vontade. Ausentes os inúteis parasitas
humanos, mais sobrava para cada um. Havia
também mais lazer, muito embora os animais
fossem inexperientes nisso. Encontraram muitas
dificuldades - por exemplo, no fim do ano, quando
colheram os cereais, foram obrigados a pisá-los, à
moda antiga, e soprar as cascas, pois a granja não
possuía uma debulhadeira -, mas os porcos, com a
inteligência, e Sansão, com seus músculos
fantásticos, sobrepujavam-nas. Sansão era a
admiração de todos. Já era trabalhador no tempo de
Jones; agora, como que valia por três. Dias houve
em que todo trabalho da granja parecia recair sobre
seus fortes ombros. Da manhã à noite lá estava
ele, puxando e empurrando, sempre, no lugar onde
o trabalho era mais pesado. Fizera um trato com um
dos galos para ser chamado meia hora mais cedo
que os demais, todas as manhãs, e empregava
esse tempo em trabalho voluntário no que
parecesse mais necessário. Sua solução para cada
problema, para cada contratempo, era “Trabalharei
mais ainda”, frase que adotara como seu lema
particular.
Cada qual trabalhava de acordo com sua
capacidade. As galinhas e os patos, por exemplo,
economizaram cinco baldes de trigo, na colheita,
juntando os grãos extraviados. Ninguém roubava,
ninguém resmungava a respeito das rações. A
discórdia, as mordidas, o ciúme, coisas normais nos
velhos tempos, tinham quase desaparecido.
Ninguém se esquivava ao trabalho - ou quase
ninguém. Ë bem verdade que Mimosa não gostava
de levantar cedo e costumava abandonar o trabalho
antes dos demais, sob o pretexto de estar com uma
pedra encravada no casco. E o comportamento do
gato era um tanto estranho. Em seguida notou-se
que ele nunca podia ser encontrado quando havia
trabalho por fazer. Desaparecia durante várias horas
consecutivas e voltava a aparecer à hora das
refeições, ou à tardinha, após o fim dos trabalhos,
como se nada houvesse acontecido. Apresentava,
porém, desculpas tão boas e rosnava de maneira
tão carinhosa, que era impossível não crer em suas
boas intenções. O velho Benjamim, o burro, nada
mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa da
mesma forma obstinadamente lenta com que o
fazia nos tempos de Jones. Não se esquivava ao
trabalho normal, mas nunca era voluntário para
extraordinários. Sobre a Revolução e seus
resultados, não emitia opinião. Quando lhe
perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones
se havia ido, respondia apenas “Os burros vivem
muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um burro
morto”, e os outros tinham que contentar-se com
essa obscura resposta.
Aos domingos, não se trabalhava. A refeição da
manhã era uma hora mais- tarde e, depois dela,
havia uma cerimônia que se realizava todas as
semanas, indefectivelmente. Começava com o
hasteamento da bandeira. Bola-de-Neve achara, no
depósito, uma velha toalha verde de mesa e pintara
no centro, em branco, um chifre e uma ferradura.
Essa era bandeira que subia ao topo do mastro
todos os domingos pela manhã. O verde da
bandeira, explicava Bola-de-Neve, representava os
verdes campos da Inglaterra, ao passo que o chifre
e a ferradura simbolizavam a futura República dos
Bichos, cujo advento teria lugar no dia em que o
gênero humano, enfim, desaparecesse. Após o
hasteamento da bandeira, iam todos ao grande
celeiro, para assistir a uma assembléia geral
conhecida como “a Reunião”. Lá planejavam o
trabalho da semana seguinte e discutiam as
resoluções. Estas eram sempre apresentadas pelos
porcos. Os outros animais aprenderam a votar, mas
nunca conseguiram imaginar uma resolução por
conta própria. Bola-de-Neve e Napoleão eram
sempre mais ativos nos debates. Notou-se, porém,
que dois nunca estavam de acordo: qualquer
sugestão de um podia contar, na certa, com a
oposição do outro.
Mesmo quando, se resolveu - coisa que, em si, não
podia sofrer a objeção de ninguém - que o potreiro
situado além do pomar seria reservado para os
animais aposentados, houve uma agitada discussão
a respeito da idade de aposentadoria para cada
classe de animal. A Reunião era encerrada sempre
com o hino Bichos da Inglaterra, e a tarde
destinava-se à recreação.
Os porcos reservaram o depósito de ferramentas
para sede da direção. Ali, à noite, estudavam
mecânica, carpintaria e outras artes necessárias,
em livros trazidos da casa-grande. Bola-de-Neve
ocupava-se também da organização dos outros
bichos por meio dos chamados Comitês de Animais.
Formou o Comitê da Produção de Ovos, para as
galinhas; a Liga das Caudas Limpas, para as vacas;
o Comitê de Reeducação dos Animais Selvagens
(cujo objetivo era domesticar os ratos e os
coelhos); o Movimento Pró Mais Branca, que
congregava as ovelhas; e outros mais, além da
criação de classes para ensinar a ler escrever. No
conjunto, esses projetos foram um fracasso. A
tentativa de domesticar as criaturas selvagens, por
exemplo, falhou em pouco tempo. Elas continuaram
a portar-se como dantes, e simplesmente tiravam
vantagem do fato de serem tratadas com
generosidade. O gato ingressou no Comitê de
Reeducação e por algum tempo andou muito ativo.
Um dia foi visto, sentado num telhado, a doutrinar
alguns pardais pousados pouco além do seu
alcance. Dizia-lhes que todos os animais agora
eram camaradas e qualquer pardal que o desejasse
poderia vir pousar na sua mão; mas os pardais
preferiram ficar de longe.
As classes de ler e escrever, ao contrário,
constituíram enorme sucesso. Já no outono quase
todos os bichos estavam, uns mais, outros menos,
alfabetizados.
Os porcos já liam e escreviam muito bem. Os
cachorros aprenderam a ler razoavelmente, porém
se interessavam pela leitura de nada além dos Sete
Mandamentos. Maricota, a cabra, lia um pouco
melhor que os cachorros e costumava ler para os
demais, à noite, os pedaços de jornal que achava
no lixo. Benjamim sabia ler tão bem quanto os
porcos, mas não exercia sua faculdade. Ao que
sabia - costumava dizer -, nada havia que valesse a
pena ler. Quitéria aprendeu todo o alfabeto, mas
não conseguia juntar as letras. Sansão não foi
capaz de ir além da letra D. Desenhava na areia,
com a pata, as letras A, B, C, D, e ficava olhando,
com as orelhas murchas, às vezes sacudindo o
topete, tentando com todas as suas forças lembrarse
do que vinha depois, inutilmente. É verdade que
em várias ocasiões aprendeu E, F, G, H, mas ao
consegui-lo, descobria sempre que havia esquecido
A, B, C e D. Afinal, decidiu contentar-se com as
quatro primeiras letras e costumava escrevê-las
uma ou duas vezes por dia, a fim de refrescar a
memória. Mimosa recusou-se a aprender mais do
que as seis letras que compunham seu nome.
Formava-as, bem certinhas, com pedaços de ramos,
enfeitava o conjunto com uma ou duas flores e
ficava andando à volta, a admirá-las.
Nenhum dos outros animais da granja chegou além
da letra A. Notou-se também que os mais
estúpidos, tais como as ovelhas, as galinhas e os
patos, eram incapazes de aprender de cor os Sete
Mandamentos. Depois de muito pensar, Bola-de-
Neve declarou que, na verdade, os Sete
Mandamentos podiam ser condensados numa única
máxima, que era: “Quatro pernas bom, duas pernas
ruim.” Aí se continha segundo disse ele, o princípio
essencial do Animalismo. Quem o seguisse
firmemente, estaria a salvo das influências
humanas. A princípio, os pássaros fizeram objeção,
pois lhes parecia que estavam no caso das duas
pernas, porém Bola-de-Neve provou que tal não
acontecia:
- A asa de uma ave, camaradas, é um órgão de
propulsão e não de manipulação. Deveria ser olhada
mais como uma perna. O que distingue o Homem é
a mão, o instrumento com que perpetra toda a sua
maldade.
As aves não compreenderam as palavras de Bolade-
Neve, mas aceitaram a explicação, e os bichos
mais modestos dedicaram-se a aprender de cor a
nova máxima, QUATRO PERNAS BOM, DUAS PERNAS
RUIM, e que foi escrita na parede do fundo do
celeiro, acima dos Sete Mandamentos e com letras
bem maiores. Depois que conseguiram decorá-la, as
ovelhas tomaram-se de uma enorme predileção por
essa máxima, e freqüentemente, deitadas na relva,
ficavam a balir “Quatro pernas bom, duas pernas
ruim! “Quatro pernas bom, duas pernas ruim!”
durante horas a fio.
Napoleão não tomou interesse algum pelos comitês
de Bola-de-Neve. Dizia que a educação dos jovens
era mais importante do que qualquer coisa em favor
dos adultos. Aconteceu que Lulu e Ferrabrás deram
cria, logo após a colheita de feno, a nove robustos
cachorrinhos. Tão logo foram desmamados,
Napoleão tirou-os de suas mães dizendo que ele
próprio se responsabilizaria por sua educação.
Levou-os para um sótão que só podia ser atingido
pela escada do depósito, e os manteve em tal
reclusão que o resto da fazenda logo se esqueceu
de sua existência.
O mistério do leite pronto se esclareceu. Era
misturado à comida dos porcos. As maçãs estavam
amadurecendo e a grama do pomar cobria-se de
frutas derrubadas pelo vento. Os bichos tinham
como certo que as frutas deveriam ser distribuídas
eqüitativamente; certo dia, porém, chegou a ordem
para que todas as frutas caídas fossem recolhidas e
levadas ao depósito das ferramentas, para consumo
dos porcos. Alguns bichos murmuraram a respeito,
mas foi inútil. Os porcos estavam todos de acordo
sobre esse ponto, até mesmo Bola-de-Neve e
Napoleão. Garganta foi enviado aos outros, para dar
explicações.
- Camaradas! - gritou. - Não imaginais, suponho,
que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de
egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem
gostamos de leite e de maçã. Eu, por exemplo, não
gosto. Nosso único objetivo ao ingerir essas coisas
é preservar nossa saúde. O leite e a maçã (está
provado pela Ciência, camaradas) contêm
substâncias absolutamente necessárias à saúde dos
porcos. Nós, os porcos, somos trabalhadores
intelectuais. A organização e a direção desta granja
repousam sobre nós. Dia e noite velamos por vosso
bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele
leite e comemos aquelas maçãs. Sabeis o que
sucederia se os porcos falhassem em sua missão?
Jones voltaria! Jones voltaria! Com toda certeza,
camaradas - gritou Garganta, quase suplicante,
dando pulinhos de um lado para outro e sacudindo o
rabicho -,com toda certeza, não há dentre vós quem
queira a volta de Jones.
Ora, se algo havia sobre o que todos animais
estavam de acordo, era o fato de nenhum desejar
volta de Jones. Quando o assunto lhes foi posto
sob essa luz, não tiveram mais o que dizer. A
importância de manter a boa saúde dos porcos
tornou-se óbvia. Foi, portanto, resolvido sem mais
discussões que o leite e as maçãs caídas (bem
como toda colheita de maçãs, quando
amadurecessem) seriam reservados para os porcos.

CAPÍTULO IV
Pelo fim do verão, a notícia do que sucedia na
Granja dos Bichos já se espalhara pelo condado.
Todos os dias, Bola-de-Neve e Napoleão enviavam
formações de pombos com instrução de misturar- se
aos animais das granjas vizinhas, contar-lhes a
história da Revolução e ensinar-lhes a melodia de
Bichos da Inglaterra.
Jones passava a maior parte desse tempo no Leão
Vermelho, em Willingdon, queixando-se, a quem
quisesse ouvi-lo, da monstruosa injustiça que
sofrera ao ser expulso de sua granja por uma súcia
de animais imprestáveis. Os outros granjeiros eram
lhe simpáticos, em princípio, mas inicialmente não
lhe deram muita ajuda. No fundo, cada um
imaginava secretamente alguma forma de tirar
vantagem do infortúnio de Jones. Era uma sorte que
os proprietários das granjas adjacentes à dos
bichos estivessem permanentemente em más
relações. Uma delas, chamada Foxwood, era uma
granja grande, abandonada e antiquada, coberta de
mato, com as pastagens cansadas e as cercas
caindo.
O proprietário, Sr. Pilkington, era um sujeito
indolente, granjeiro que passava a maior parte do
seu tempo caçando ou pescando, conforme a
estação. A outra granja, chamada Pinchfield, era
menor e mais bem tratada. Seu proprietário era o
Sr. Frederick, homem rude e sagaz,
permanentemente envolvido em processos na
justiça e com a reputação de levar a cabo
barganhas muito difíceis. Os dois se hostilizavam
tanto que lhes era sumamente difícil chegar a
qualquer acordo, mesmo em defesa de seus
próprios interesses.
Todavia, ambos estavam assustados com a
Revolução na Granja dos Bichos e desejosos de
prevenir que seus próprios animais tomassem maior
conhecimento do assunto. De início, acharam graça
na idéia de bichos gerirem por si próprios uma
granja. O caso todo estaria acabado numa
quinzena, diziam. E diziam também que os animais
da Granja do Solar (insistiam em chamá-la Granja
do Solar; não admitiam o nome “Granja dos
Bichos”) estavam lutando entre si e não tardariam a
definhar até morrer. Como o tempo passava e os
animais evidentemente não definhavam, Frederick e
Pilkington mudaram de tom e começaram então a
falar nas terríveis perversidades que estavam
ocorrendo na Granja dos Bichos. Comentavam que
os animais praticavam o canibalismo, torturavam
uns aos outros com ferraduras ao rubro e tinham
suas fêmeas em comum. Isso era o que advinha do
desrespeito às leis da Natureza, diziam Frederick e
Pilkington.
Entretanto, nunca ninguém acreditou nessas
histórias. Boatos de um sítio maravilhoso, de onde
haviam sido expulsos os seres humanos e onde os
bichos tomavam conta dos próprios negócios,
continuavam a circular, em formas vagas e
desfiguradas, e durante todo aquele ano uma onda
de revolta percorreu a região. Bois que sempre
haviam sido tratáveis, repentinamente se tornaram
selvagens, as ovelhas derrubavam cercas e comiam
o trevo, as vacas davam coices nos baldes, os
cavalos de salto refugavam os obstáculos, jogando
os cavaleiros do outro lado. Sobretudo, a melodia e
mesmo a letra de Bichos da Inglaterra tornavam-se
conhecidas em toda parte. Espalhavam-se com
espantosa rapidez. Os humanos não podiam conter
a raiva ao ouvirem essa canção, embora quisessem
encará-la como simplesmente ridícula. Não
conseguiam compreender, diziam, que mesmo
animais chegassem ao ponto de cantar aquela
porcaria. O bicho que fosse apanhado a cantá-la,
seria chicoteado. Ainda assim, a canção era
irreprimível. Os melros cantavam-na pousados nas
cercas, as pombas arrulhavam-na nos olmeiros, e
ela aparecia nas marteladas dos ferreiros e no
bimbalhar dos sinos das igrejas. Ao ouvirem-na, os
seres humanos tremiam secretamente ante aquela
mensagem que previa sua desgraça
No início de outubro, quando o trigo já fora colhido,
amontoado, e em parte até debulhado, uma
revoada de pombos chegou em turbilhão e pousou
no pátio da Granja dos Bichos, presa de grande
excitação. Jones e todos os seus homens, mais
meia dúzia de outros homens de Foxwood e
Pinchfield, haviam penetrado pela porteira das cinco
barras e vinham subindo a trilha que conduzia à
fazenda. Todos armados de bastões, exceto Jones,
que marchava à frente com uma espingarda na mão.
Era, evidentemente, uma tentativa de recuperar a
granja.
Há muito isso era esperado, e os preparativos
estavam feitos. Bola-de-Neve, que estudara um
velho livro sobre as campanhas de Júlio César,
encontrado na casa-grande, estava encarregado das
operações defensivas. Rapidamente deu suas
ordens, e em pouco tempo cada animal estava em
seu posto.
Quando os homens chegaram perto das casas, Bolade-
Neve lançou o primeiro ataque. Os pombos, em
número de trinta e cinco, voaram por cima dos
homens e defecaram no ar sobre eles; enquanto os
homens atrapalhavam-se com isso. Os gansos, até
então escondidos nas sebes, avançaram e bicaramlhes
as pernas energicamente Mas isso era apenas
uma pequena manobra de escaramuça, destinada a
criar confusão, e os homens facilmente espantaram
os gansos com os bastões Então, Bola-de-Neve
lançou sua segunda linha de ataque. Maricota,
Benjamim e as ovelhas, com Bola-de-Neve à frente,
arremeteram sobre os homens, marrando, mordendo
e escoiceando-os por todos os lados. Novamente,
porém, os homens com os bastões e os coturnos
rústicos foram mais fortes; e de repente, a um
guincho de Bola-de-Neve que era o sinal para bater
em retirada, todos os bichos volveram a frente e
fugiram para dentro do pátio; através do portão.
Os homens soltaram um brado de triunfo. Viram, tal
como haviam imaginado, seus inimigos em fuga e
lançaram-se no encalço, desordenadamente. Era
justamente o que Bola-de-Neve desejava. Tão logo
eles entraram no pátio, os três cavalos, as três
vacas e o restante dos porcos, que estavam
emboscados atrás do estábulo, surgiram-lhes de
inopino à retaguarda, cortando a retirada. Bola-de-
Neve deu o sinal de carga. Ele próprio correu na
direção de Jones. Vendo-o, Jones levantou a arma e
atirou. Os projéteis abriram riscos sangrentos no
dorso de Bola-de-Neve e uma ovelha caiu morta.
Sem titubear um só instante, Bola-de-Neve lançou
os seus cem quilos contra as pernas de Jones. O
homem foi jogado sobre um monte de esterco, e a
arma voou-lhe das mãos. Porém, o espetáculo mais
terrível, entre tudo era Sansão, erguendo-se nos
posteriores e dando manotaços com seus cascos
ferrados, feito um garanhão. Logo ao primeiro golpe
atingiu o crânio de um cavalariço de Foxwood,
prostrando-o sem vida na lama. Ante isso, vários
homens largaram os bastões e tentaram correr. O
pânico tomou conta deles, e em poucos momentos
os animais os caçavam em volta do pátio. Foram
chifrados, batidos, mordidos e atropelados. Não
houve bicho da granja que não tirasse desforra,
cada um à sua moda. Até o gato, inesperadamente,
saltou de um telhado sobre as costas de um peão,
cravando-lhe as unhas no pescoço e fazendo o
homem dar um berro de dor. Em dado momento,
desimpedida a saída, os homens conseguiram fugir
do pátio e correram desabaladamente rumo à
estrada principal. E assim, poucos minutos após a
invasão, batiam em vergonhosa retirada pelo
mesmo caminho da vinda, com uma multidão de
gansos no seu encalço, bicando-lhes as pernas sem
piedade.
Todos os homens haviam fugido, exceto um. No
pátio, Sansão empurrava, com a pata, o cavalariço
que jazia de bruços na lama, tentando virá-lo. Mas
o rapaz não se mexia.
- Está morto - disse Sansão penalizado. Eu não
queria fazer isso. Esqueci que estava usando
ferraduras. Quem acreditará que não fiz de
propósito?
- Nada de sentimentalismos, camarada! - gritou
Bola-de-Neve, de cujos ferimentos o sangue
jorrava. - Guerra é guerra. Ser humano bom ser
humano morto.
- Eu não desejo tirar a vida de quem quer que seja,
nem mesmo de um ser humano - repetiu Sansão
com os olhos cheios de lágrimas.
- Onde está Mimosa? - perguntou alguém.
Mimosa, realmente, havia desaparecido. Por
momentos houve grande alarma. Temeu-se que
homens a tivessem ferido, ou mesmo a levado com
eles. Por fim, foi encontrada, em sua própria baia
com a cabeça escondida no feno da manjedoura.
Havia fugido no momento do tiro da espingarda. E
quando voltaram, após encontrá-la, foi para
descobrir que o cavalariço, que na verdade havia
apenas desmaiado, já voltara a si e desaparecera.
Os bichos, então, tornaram a reunir-se, presas da
maior excitação, cada qual narrando suas façanhas
na batalha com a voz mais alta que conseguia. Uma
celebração de improviso realizou-se imediatamente.
A bandeira foi hasteada e cantaras Bichos da
Inglaterra muitas vezes, depois a ovelha morta
recebeu funerais solenes, sendo plantado em seu
túmulo um ramo de espinheiro. Ao pé do túmulo,
Bola-de-Neve fez um pequeno discurso, pondo em
relevo a necessidade de todos os animais estarem
prontos a morrer pela Granja dos Bichos, se
necessário.
Os animais decidiram, por unanimidade, criar uma
condecoração militar, a “Herói Animal, Primeira
Classe”, que foi conferida ali mesmo a Bola-de-Neve
e a Sansão. Consistia numa medalha de bronze
(era, na realidade, bronze dos arreios achados no
galpão de ferramentas) para ser usada nos
domingos e feriados. Criaram também a “Herói
Animal, Segunda Classe”, conferida postumamente
à ovelha morta.
Houve muita discussão quanto ao nome que seria
dado à batalha. Por fim, foi batizada de Batalha do
Estábulo, pois fora o lugar onde se armara a
emboscada. A espingarda de Jones foi encontrada
na lama. Como existisse uma boa quantidade de
cartuchos na casa-grande, ficou decidido que
colocariam a espingarda ao pé do mastro, como se
fosse uma peça de artilharia, e dariam uma salva
duas vezes ao ano - uma no dia 12 de outubro,
aniversário da Batalha do Estábulo, e outra no dia
24 de junho, aniversário da Revolução.

CAPÍTULO V
Com o passar do inverno, Mimosa tornava-se mais e
mais importuna. Todas as manhãs atrasava-se para
o trabalho e desculpava-se dizendo que dormira
demais. Queixava-se de dores - misteriosas,
embora gozasse de excelente apetite. A qualquer
pretexto largava o trabalho e ia para o açude, à
beira do qual permanecia admirando sua própria
imagem refletida nas águas. Corriam também
boatos de maior seriedade. Um dia, quando Mimosa
entrou no pátio, toda contente, sacudindo a cauda e
mascando um talo de feno, Quitéria abordou-a.
- Mimosa - disse ela -, tenho um assunto muito
sério para falar-lhe. Hoje de manhã eu a vi olhando
por cima da sebe que separa a Granja de Foxwood.
Do outro lado estava um dos empregados do Sr.
Pilkington. Ele - embora eu estivesse longe, tenho
quase certeza de que vi isso - falava com você e
fazia festas em seu focinho. Que significa isso.
Mimosa? - - . .
- Ele não fez! Eu não estava! Não é verdade! -
gritou Mimosa, agitando-se e escarvando a terra. -
- Mimosa! - Olhe-me nos olhos. Você me dá sua
palavra de honra de que o homem não lhe tocou no
focinho? .
- Não é verdade! - repetiu Mimosa, sem olhar
Quitéria de frente; depois, virou-se e galopou para
o campo.
Quitéria teve uma idéia. Sem dizer nada a ninguém,
foi à baia de Mimosa e virou a palha com o casco.
Ali estavam escondidos um montinho de torrões de
açúcar e vários novelos de fitas de diversas cores.
Três dias mais tarde, Mimosa desapareceu. Durante
algumas semanas ninguém teve notícias de seu
paradeiro, até que os pombos trouxeram o informe
de que a haviam visto na parte mais afastada de
Willingdon, atrelada a uma bonita carroça vermelha
e preta, em frente a uma estalagem. Um homem
gordo, de rosto vermelho, calças xadrez e polaina,
com todo o tipo de estalajadeiro, dava-lhe
pancadinhas no focinho e oferecia-lhe torrões de
açúcar. Seu pêlo fora recentemente rasqueteado e
ela usava uma fita escarlate no topete. Parecia
muito satisfeita, segundo disseram os pombos. Os
bichos nunca mais falaram em Mimosa.
Em janeiro, o tempo piorou terrivelmente. A terra
dura como ferro, não permitia o trabalho no campo.
Houve muitas reuniões no celeiro grande, e os
porcos passaram ao planejamento dos trabalhos a
serem realizados na estação seguinte. Fora
acertado que os porcos, sendo manifestamente
mais inteligentes do que os outros animais,
decidiriam todas as questões referentes à política
agrícola da granja, embora suas decisões devessem
ser ratificadas pelo voto da maioria. Essa
combinação teria funcionado muito bem, não
fossem as disputas entre Bola-de-Neve e Napoleão.
Esses dois discordavam sobre todos os pontos em
que a discordância era possível. Se um deles
propunha o aumento da área de plantio de cevada,
podia-se ter certeza de que o outro proporia uma
área maior para o cultivo da aveia, e se um
dissesse que tais e tais terrenos eram ótimos para
plantar repolhos, o outro diria que não prestavam
senão para mandioca. Cada um tinha seus
seguidores e havia debates violentos. Nas reuniões,
Bola-de-Neve freqüentemente obtinha a maioria,
por seus discursos brilhantes, porém Napoleão era o
melhor na cabala de apoio durante os intervalos.
Obtinha êxito especial com as ovelhas.
Ultimamente estas haviam criado o hábito de balir
“Quatro pernas bom, duas pernas ruim” em ocasiões
próprias ou impróprias, e muitas vezes
interrompiam a reunião dessa maneira. Notou-se
que mostravam especial disposição de atacar o
“Quatro pernas bom, duas pernas ruim”, justamente
quando Bola-de-Neve chegava a um momento
crucial em seus discursos. Bola-de-Neve estudara
atentamente alguns números atrasados da revista
O Agricultor e o Criador de Gado, encontrados na
casa-grande, e andava com a cabeça cheia de
planos sobre invenções e melhoramentos. Falava
com grande conhecimento de causa sabre
drenagens, ensilagem, escórias básicas, e havia
elaborado um complexo esquema segundo o qual os
bichos evacuariam diretamente no campo, em
lugares diferentes cada dia, para economizar o
trabalho do transporte de esterco. Napoleão não
criava projetos próprios, mas dizia com toda calma
que os de Bola-de-Neve dariam em nada e parecia
aguardar sua oportunidade. De todas as
divergências, porém, nenhuma foi tão séria como a
do moinho de vento.
Não muito longe das casas havia uma colina que
era o ponto mais alto da granja. Depois de realizar
uma pesquisa no solo, Bola-de-Neve declarou ser o
local ideal para a construção de um moinho de
vento, que poderia acionar um dínamo e suprir de
energia elétrica toda a granja. As baias teriam luz
elétrica e aquecimento no inverno, haveria força
para uma serra circular, para moagem de cereais,
para o corte da beterraba e para um sistema de
ordenha elétrica. Os animais nunca tinham sequer
ouvido falar nessas coisas (pois a granja era
antiquada e sua aparelhagem das mais primitivas)
e escutaram boquiabertos Bola-de-Neve fazer
desfilar como por encanto, ante sua imaginação, as
figuras dos aparelhos mais espetaculares, máquinas
que fariam todo serviço em seu lugar, enquanto eles
iriam aproveitar a folga pastando ou cultivando a
mente, por meio da leitura e da conversação.
Em poucas semanas os planos de Bola-de-Neve
para o moinho de vento estavam prontos. Os
detalhes mecânicos foram retirados principalmente
de três livros que haviam pertencido ao Sr. Jones -
Mil Coisas Úteis para Sua Casa, Seja o Seu Próprio
Pedreiro e Eletricidade para Principiantes. Bola-deNeve
utilizou como estúdio um galpão que antes
abrigara incubadoras e cujo piso era de madeira
lisa, própria para desenhar. Lá permanecia horas a
fio. Com os livros abertos sob o peso de uma pedra,
e uma barra de giz entre as duas pontas do casco,
andava rapidamente para lá e para cá, traçando
linhas e mais linhas e soltando guinchos de
excitação.
Gradualmente, os planos se transformaram numa
complicada massa de manivelas e engrenagens que
cobria quase metade do assoalho e que os outros
animais achavam completamente ininteligível, mas
impressionante. Pelo menos uma vez por dia, cada
um vinha olhar os desenhos de Bola-de-Neve. Até
as galinhas e os patos apareciam, pisando com
grande dificuldade para não estragar os riscos de
giz. Apenas Napoleão permaneceu desinteressado.
Havia-se declarado contra o moinho de vento desde
o início. Um dia, entretanto, chegou
inesperadamente para examinar os planos.
Caminhou pesadamente em volta do galpão, olhou
detidamente cada detalhe do projeto, farejou-o
uma ou duas vezes, depois deteve-se a contemplá-
lo por alguns instantes pelo canto dos olhos; então,
inesperadamente, levantou a pata, urinou sobre os
planos e caminhou para fora sem proferir palavra. A
granja estava profundamente dividida com respeito
ao moinho de vento. Bola-de-Neve não negava que
sua construção resultaria em uma empresa difícil.
Seria necessário quebrar pedras e transformá-las
em paredes; depois, construir as pás; haveria
necessidade de dínamos e fios (onde seriam
encontrados, Bola-de-Neve não dizia). Mas afirmava
que tudo poderia ser feito dentro de um ano.
Depois disso - dizia -, os bichos economizariam
tanta energia, que seriam necessários apenas. três
dias de trabalho por semana. Napoleão, por outro
lado, argumentava que a grande necessidade do
momento era aumentar a produção de alimentos e
que morreriam de fome se perdessem tempo com o
moinho de vento. Os animais dividiram-se em duas
facções que se alinhavam sob os slogans: “Vote em
Bola-de-Neve e na semana de três dias” e “Vote em
Napoleão e na manjedoura cheia”. Benjamim foi o
único animal que não aderiu a lado nenhum.
Recusava-se a crer, tanto em que haveria fartura de
alimento, como em que o moinho de vento
economizaria trabalho. Moinho ou não moinho, dizia
ele, a vida prosseguiria como sempre fora - ou seja,
mal.
Além da disputa sobre o moinho de vento, havia o
problema da defesa da granja. Eles bem sabiam
que, embora os humanos tivessem sido derrotados
na Batalha do Estábulo, poderiam fazer outra
tentativa, mais reforçada, para retomar a granja e
restaurar Jones. Tinham as melhores razões para
tentar, pois a notícia, da derrota, se espalhara pela
região e tornara os animais das granjas vizinhas
mais rebeldes do que nunca. Como sempre, Bolade-
Neve e Napoleão não estavam de acordo.
Segundo Napoleão o que os animais deveriam fazer
era conseguir armas de fogo e instruir-se no seu
emprego. Bola-de-Neve achava que deveriam enviar
mais e mais pombos e provocar a rebelião entre os
bichos das outras granjas. O primeiro argumentava
que, se não fossem capazes de defender-se,
estavam destinados à submissão; o outro alegava
que, fomentando revoluções em toda parte, não
teriam necessidade de defender-se. Os animais
ouviam Napoleão, depois Bola-de-Neve e não
chegavam à conclusão sobre quem tinha razão; á
verdade é que estavam sempre de acordo com,
aquele que falava no momento.
Por fim, chegou o dia em que os planos de Bola-de-
Neve ficaram prontos. Na Reunião do domingo
seguinte deveria ser posta em votação a questão
de começar ou não o trabalho no moinho de vento.
Quando os animais se reuniram no grande celeiro,
Bola-de-Neve levantou-se e, embora fosse
interrompido de vez em quando pelo balido das
ovelhas, expôs suas razões em favor da construção
do moinho de vento. Depois levantou-se Napoleão
para rebater.
Disse calmamente que o moinho de vento era uma
tolice, que não aconselhava ninguém a votar a favor
daquilo. Sentou-se de novo; falara durante trinta
segundos, se tanto, e parecia indiferente ao
resultado.
Ante isso, Bola-de-Neve pôs-se de pé outra vez,
calou a gritos as ovelhas que começavam a balir de
novo e irrompeu num candente apelo em favor do
moinho de vento. Até então, os bichos estavam
quase igualmente divididos em suas simpatias, mas
num instante de eloqüência Bola-de-Neve arrastou
a todos. Com sentenças ardentes, pintou um quadro
de como poderia ser a Granja dos Bichos quando o
trabalho sórdido fosse sacudido de sobre os ombros
de todos. Sua imaginação ia agora além de moinhos
de cereais e cortadores de nabos. A eletricidade -
disse ele- poderia movimentar debulhadoras,
arados, grades rolos compressores, ceifeiras e
atadeiras, além de fornecer a cada baia sua própria
luz, água quente e fria, e um aquecedor elétrico.
Quando parou de falar, não havia dúvidas quanto ao
resultado da votação. Porém, exatamente nesse
momento Napoleão levantou-se e, dando uma
estranha olhadela de viés para Bola-de-Neve,
soltou um guincho estridente que ninguém ouvira
antes.
Ouviu-se um terrível ladrido lá fora e nove cães
enormes, usando coleiras tachonadas com bronze,
entraram latindo no celeiro. Jogaram-se sobre Bolade-
Neve, que saltou do lugar onde estava, mal a
tempo de escapar àquelas presas. Num instante,
saiu porta fora com os cães em seu encalço.
Espantados e aterrorizados demais para falar, os
bichos amontoaram-se na porta para observar a
caçada. Bola-de-Neve corria pelo campo em direção
à estrada, como só um porco sabe correr, mas os
cachorros se aproximavam. De repente ele caiu e
pareceu que o apanhariam. Mas levantou-se outra
vez e correu como um desesperado. Já os cães o
alcançavam de novo. Um deles quase fechou as
mandíbulas no rabicho de Bola-de-Neve, que o
sacudiu bem na hora. Aí fez um esforço extremo e,
ganhando algumas polegadas, enfiou-se por um
buraco da sebe e sumiu.
Calados e aterrados, os animais voltaram
furtivamente para dentro do celeiro. Logo chegaram
os cachorros, latindo. A princípio ninguém pôde
imaginar de onde tinham vindo - aquelas criaturas,
mas o mistério logo se aclarou: eram os
cachorrinhos que Napoleão havia tomado às mães e
criado secretamente. Embora ainda não tivessem
completado o crescimento, já eram uns cães
enormes e mal-encarados como lobos.
Permaneceram junto a Napoleão e notou-se que
sacudiam a cauda para ele da mesma maneira como
os outros cachorros costumavam fazer para Jones.
Napoleão, com os cachorros a segui-lo, subiu para o
estrado, de onde o Major fizera seu discurso.
Anunciou que daquele momento em diante
terminariam as Reuniões dos domingos de manhã.
Eram desnecessárias perdas de tempo. Para o
futuro, todos os problemas relacionados com o
funcionamento da granja seriam resolvidos por uma
comissão de porcos, presidida por ele, que se
reuniria em particular e depois comunicaria suas
decisões aos demais. Os animais continuariam a
reunir-se aos domingos para saudar a bandeira,
cantar Bichos da Inglaterra e receber as ordens da
semana; não haveria debates.
A despeito do estado de choque em que a expulsão
de Bola-de-Neve os deixara, os bichos ficaram
desalentados com aquela notícia. Vários teriam
protestado, se conseguissem achar os argumentos.
Até Sansão ficou um tanto perturbado. Murchou as
orelhas, sacudiu o topete várias vezes e fez um
esforço tremendo para pôr em ordem as idéias; mas
afinal não conseguiu pensar nada para dizer. Alguns
porcos, porém, tinham maior flexibilidade de
raciocínio. Quatro jovens porcos castrados,
colocados na primeira fila, soltaram altos guinchos
de protesto e levantaram-se falando a um só
tempo. Mas os cachorros, junto de Napoleão,
soltaram um rosnado fundo e ameaçador, e os
porcos calaram-se, sentando-se de novo. Aí
estrondaram as ovelhas um formidável balido de
“Quatro pernas bom, duas pernas ruim” que durou
cerca de um quarto de hora, acabando com qualquer
hipótese de discussão. Mais tarde, Garganta foi
mandado percorrer a granja para explicar a nova
situação aos demais.
- Camaradas - disse -, tenho certeza de que cada
animal compreende o sacrifício que o Camarada
Napoleão faz ao tomar sobre seus ombros mais
esse trabalho. Não penseis, camaradas, que a
liderança seja um prazer. Pelo contrário, é uma
enorme e pesada responsabilidade. Ninguém mais
que o Camarada Napoleão crê firmemente que
todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se
pudesse deixar-vos tomar decisões por vossa
própria vontade; mas, às vezes, poderíeis tomar
decisões erradas, camaradas; então, onde iríamos
parar? Suponhamos que tivésseis decidido seguir
Bola-de-Neve com suas miragens de moinho de
vento - logo Bola-de-Neve ~ que, como sabemos,
não passava de um criminoso?
- Ele lutou bravamente na Batalha do Estábulo -
disse alguém.
- Bravura não basta - respondeu Garganta.
- A lealdade e a obediência são mais importantes. E
quanto à Batalha do Estábulo, acredito, tempo virá
em que verificaremos que o papel de Bola-de-Neve
foi um tanto exagerado. Disciplina, camaradas,
disciplina férrea! Este é o lema para os dias que
correm. Um passo em falso e o inimigo estará sobre
nós. Por certo, camaradas, não quereis Jones de
volta, hem?
Uma vez mais esse argumento era irrespondível.
Sem dúvida alguma, os bichos não desejavam Jones
de volta; e se a realização dos debates do domingo
podia ter essa conseqüência, que cessassem os
debates. Sansão, que já tivera tempo de pensar,
expressou o sentimento geral: “Se é o que diz o
Camarada Napoleão, deve estar certo.” E daí por
diante adotou a máxima “Napoleão tem sempre
razão” acrescentando-a ao seu lema particular
“Trabalharei mais ainda”.
Já com o tempo melhor, iniciou-se a arada da
primavera. O galpão em que Bola-de-Neve
desenhara seus planos para o moinho de vento foi
trancado e os desenhos provavelmente apagados.
Todos os domingos, às dez horas, os animais
reuniam-se no grande celeiro para receber as ordens
da semana. A caveira do velho Major, já sem
carnes, fora desenterrada e colocada sobre um toco
ao pé do mastro, junto à espingarda. Após o
hasteamento da bandeira, os animais deviam
desfilar reverentemente perante a caveira, antes de
entrar no celeiro. Já não sentavam todos juntos,
como antes. Napoleão, Garganta e outro porco
chamado Mínimo, dono de notável talento para
compor canções e poemas, aboletavam-se sobre a
parte fronteira da plataforma, os nove cachorros em
semicírculo ao redor deles e os outros porcos atrás.
O restante dos animais ficava de frente para eles,
no chão do celeiro. Napoleão lia as ordens da
semana num áspero estilo militar e, após cantarem
uma única vez Bichos da Inglaterra, os animais se
dispersavam.
No terceiro domingo após a expulsão de Bola-de-
Neve, os bichos ficaram um tanto surpresos ao
ouvirem Napoleão anunciar que o moinho de vento
seria, afinal de contas, construído. Não deu
qualquer explicação sobre o motivo que o fizera
mudar de idéia, apenas alertando os animais de
que essa tarefa extraordinária significaria trabalho
muito duro, podendo até ser necessário reduzir as
rações. Os planos, entretanto, haviam, sido
elaborados até o último detalhe. Uma comissão
especial de porcos trabalhara neles durante as três
últimas semanas. A construção do moinho de vento,
com vários outros melhoramentos, deveria levar
dois anos.
Naquela tarde, Garganta explicou aos outros bichos,
em particular, que Napoleão nunca for a contra a
construção do moinho de vento. Pelo contrário, ele
é que advogara a idéia desde o início, e o plano que
Bola-de-Neve havia desenhado no assoalho do
galpão das incubadoras fora, na realidade, roubado
de entre os papéis de Napoleão. O moinho de
vento, era, em verdade, criação do próprio
Napoleão.
- Por que, então - perguntou alguém -, ele tanto
falou contra o moinho?
Garganta olhou, manhoso.
- Aí é que estava a esperteza do Camarada
Napoleão - disse. - Ele fingira ser contra o moinho
de vento, apenas como manobra para livrar-se de
Bola-de-Neve, que era um péssimo caráter e uma
influência perniciosa. Agora que Bola-de-Neve saíra
do caminho, o plano podia prosseguir sem sua
interferência. Isso era uma coisa chamada tática.
Repetiu inúmeras vezes “Tática, camaradas,
tática!”, saltando à roda e sacudindo o rabicho com
um riso jovial. Os bichos não estavam muito certos
do significado da palavra, mas Garganta falava tão
persuasivamente e os três cachorros - que por
coincidência estavam com ele - rosnavam tão
ameaçadoramente, que aceitaram a explicação sem
mais perguntas.

CAPÍTULO VI
Durante o ano inteiro os bichos trabalharam feito
escravos. Mas trabalhavam felizes; não mediam
esforços ou sacrifícios, cientes de que tudo quanto
fizessem reverteria em benefício deles próprios e
dos de sua espécie, que estavam por vir, e não em
proveito de um bando de preguiçosos e
aproveitadores seres humanos.
Por toda a primavera e o verão, enfrentaram uma
semana de sessenta horas de trabalho e, em
agosto, Napoleão fez saber que haveria trabalho
também nos domingos à tarde. Esse trabalho era
estritamente voluntário, porém, o bicho que não
aceitasse teria sua ração diminuída pela metade.
Mesmo assim, ficou alguma coisa por fazer. A
colheita foi pouco menor do que a do ano anterior, e
duas lavouras que deveriam receber mandioca no
início do verão não foram plantadas por não ter sido
possível ará-las a tempo. Era fácil prever que o
inverno seria bastante duro.
A construção do moinho de vento apresentou
dificuldades imprevistas. Havia na granja uma boa
pedreira, e grande quantidade de areia e cimento
for a encontrada num depósito, portanto o material
para a construção existia e estava à mão. O
problema que os animais não conseguiram resolver,
de inicio, foi o de quebrar as pedras no tamanho
desejado. Não parecia haver outra maneira senão
com picaretas e alavancas, coisas que nenhum
animal podia usar, porque não lhes era possível
ficar de pé sobre duas patas. Somente após
semanas de trabalho em vão, foi que ocorreu a
alguém a idéia certa - aproveitar a gravidade. Pelo
leito da pedreira jaziam seixos enormes, demasiado
grandes para serem usados como estavam. Os
bichos amarravam cordas em torno das pedras e,
todos juntos, cavalos, vacas, ovelhas, todo animal
que fosse capaz de segurar os cabos - até os porcos
entravam no grupo, em certos momentos críticos -,
arrastavam-nas com desesperadora lentidão até o
ponto mais elevado da pedreira, de cuja borda eram
derrubadas para despedaçarem-se embaixo. O
transporte das pedras, uma vez quebradas, era
relativamente simples. Os cavalos carregavam-nas
em carroças, as ovelhas arrastavam blocos
individuais, até mesmo Maricota e Benjamim
atrelaram-se a uma velha charrete e fizeram sua
parte. No fim do verão já haviam acumulado um
bom estoque de pedras, e começou a construção
sob a direção dos porcos.
Entretanto, o processo era demorado e laborioso.
Freqüentemente levavam um dia inteiro para
arrastar uma pedra das maiores até o topo da
pedreira, e às vezes, atirada pela borda, não
quebrava. Nada se teria feito sem Sansão, cuja
força parecia igual à de todos os outros bichos
juntos. Quando a pedra começava a deslizar e os
animais gritavam de desespero, ao se verem
arrastados colina abaixo era sempre Sansão que
retesava os cabos e continha a pedra. Vê-lo na
faina da subida, palmo a palmo, com a respiração
acelerada, os costados molhados de suor e as
pontas dos cascos cravadas no solo, era coisa que
enchia a todos de admiração. Quitéria às vezes
recomendava-lhe que tivesse cuidado e não se
esforçasse demais, mas Sansão não lhe dava
ouvidos. Seus dois lemas “Trabalharei mais ainda” e
“Napoleão tem sempre razão” pareciam-lhe resolver
todos os problemas. Pediu a um dos galos que o
acordasse três quartos de hora mais cedo, pela
manhã, ao invés de meia hora. E nos momentos de
folga, coisa que nos últimos tempos não sucedia
muito amiúde, ia sozinho à pedreira, juntava um
monte de pedra britada e puxava-o até o local do
moinho de vento, sem ajuda de ninguém.
Os bichos não passaram muito mal aquele inverno,
malgrado a dureza do trabalho. Se não dispunham
de mais alimentos do que no tempo de Jones,
também não tinham menos. A vantagem de só
terem a si próprios para alimentar, sem os cinco
esbanjadores seres humanos, era tão grande que
compensava bem algumas faltas. E, sob muitos
aspectos, seus métodos eram mais eficientes e
econômicos. Certas tarefas, como, por exemplo, a
limpeza de ervas daninhas, podiam ser realizadas
com uma perfeição impossível aos seres humanos.
E, como nenhum animal roubava, não houve
necessidade de separar as pastagens das terras
aráveis, o que evitou o grande trabalho da
construção de cercas e porteiras. Não obstante, à
medida que o verão passava começou a se fazer
sentir alguma escassez, imprevista. Houve falta de
óleo de parafina, de pregos, de corda, de biscoitos
para os cachorros e de ferraduras para os cavalos,
coisas - que não podiam ser fabricadas na granja.
Mais tarde, faltaram também sementes e adubo
artificial, além de vários tipos de ferramentas e,
finalmente, a maquinaria para o moinho de vento.
Como obter isso tudo, ninguém conseguia imaginar.
Um domingo de manhã, quando os bichos se
reuniram para receber as ordens, Napoleão anunciou
sua decisão de encetar uma nova política. A partir
daquele dia, a Granja dos Bichos passaria a
comerciar comas da vizinhança; naturalmente, sem
qualquer objetivo de lucro, mas com o fito único de
obter algumas mercadorias urgentemente
necessárias. As exigências do moinho de vento
deviam sobrepujar tudo mais, disse. Em
conseqüência, ele estava tratando da venda de uma
grande meda de feno e de parte da safra de trigo
daquele ano; mais tarde, caso fosse necessário
mais dinheiro, este teria de ser obtido com a venda
de ovos, para os quais sempre havia mercado em
Willingdon. As galinhas, disse Napoleão, deveriam
agradecer a oportunidade de oferecer esse
sacrifício, como contribuição especial em prol da
conservação do moinho de vento.
Os animais sentiram outra vez uma vaga
inquietude. Nunca realizar quaisquer contatos com
seres humanos, nunca fazer comércio, jamais
utilizar dinheiro - essas coisas não estavam entre
as primeiras resoluções passadas naquela
formidável Reunião inicial, logo após a expulsão de
Jones? Todos se lembravam da aprovação dessas
resoluções - ou pelo menos julgavam lembrar-se.
Os quatro jovens porcos castrados que haviam
protestado quando Napoleão acabara com as
Reuniões, levantaram timidamente a voz, mas
foram logo silenciados por um rosnar terrível dos
cachorros. Nesse instante, como de hábito, as
ovelhas estalaram “Quatro pernas bom, duas pernas
ruim!” e a momentânea impertinência foi abafada.
Finalmente, Napoleão levantou a pata ordenando
silêncio e declarou que já havia tomado todas as
providências. Não haveria necessidade de qualquer
animal entrar em contato com seres humanos, coisa
que seria da maior inconveniência. Ele pretendia
tomar sobre seus ombros toda essa carga. Um certo
Sr. Whymper, que era procurador em Willingdon,
concordara em atuar como intermediário entre a
Granja dos Bichos e o mundo exterior, e viria à
granja todas as segundas-feiras pela manhã, a fim
de receber instruções. Napoleão finalizou o discurso
com sua exclamação habitual de “Viva a Granja dos
Bichos!”, e, após cantarem Bichos da Inglaterra, os
animais foram dispensados.
Depois, Garganta percorreu a granja para
tranqüilizá-los. Assegurou-lhes que tal resolução,
contra o engajamento no comércio e o uso de
dinheiro, jamais fora aprovada, aliás nem sequer
apresentada. Era pura imaginação e provavelmente
tinha origem em mentiras inventadas por Bo1a-deNeve.
Alguns bichos ainda permaneciam em dúvida,
porém Garganta perguntou-lhes astuciosamente:
“Vocês estão certos de que não sonharam com isso?
Existe algum registro dessa resolução? Está escrita
em algum lugar?” E uma vez que, realmente, não
existia escrito nada parecido com isso, os animais
se convenceram de seu engano.
Todas as segundas-feiras o Sr. Whymper visitava a
granja, conforme o combinado. Era um homenzinho
finório, de suíças crescidas, procurador de pouca
clientela porém suficientemente vivo para perceber,
antes de qualquer outro, que a Granja dos Bichos
precisaria de um representante e que as comissões
seriam polpudas. Os bichos olhavam suas idas e
vindas com um certo receio e evitavam-no tanto
quanto possível. Apesar disso, ver Napoleão, de
quatro, dando ordens a Whymper, que permanecia
em pé sobre duas patas, era uma coisa que, lhes
acariciava o orgulho e parcialmente os reconciliava
com a nova situação. As relações com o gênero
humano andavam bem diferentes. Os humanos não
odiavam menos a Granja dos Bichos, agora que ela
prosperava; na realidade, odiavam-na mais do que
nunca. Todo ser humano tinha como questão de fé
que a granja iria à bancarrota mais cedo ou mais
tarde e, sobretudo, que o moinho de vento seria um
fracasso. Reuniam-se nas estalagens e provavam
uns aos outros, por meio de gráficos e diagramas,
que o moinho estava fadado a desabar e, caso se
mantivesse erguido, jamais funcionaria. Não
obstante, mesmo contra a vontade, haviam criado
um certo respeito pela eficiência com que os bichos
conduziam os seus assuntos. Sintoma disso foi o
fato de começarem a chamar o sítio de Granja dos
Bichos, abandonando a pretensão de continuarem a
chamá-la Granja do Solar. Haviam também acabado
com o cartaz de Jones, que perdera toda esperança
de reaver sua granja e fora viver noutro lugar. Até
agora, exceto por intermédio de Whymper, nenhum
contato houvera entre a Granja dos Bichos e o
mundo exterior, mas já circulavam insistentes
boatos de que Napoleão estava por chegar a um
decisivo acordo de negócios, ora com Pilkington, de
Foxwood, ora com Frederick, de Pinchfield - mas
nunca, interessante, com ambos, simultaneamente.
Foi mais ou menos por essa época que os porcos,
de repente, mudaram-se para a casa-grande, onde
fixaram residência. Novamente os bichos julgaram
lembrar-se de que havia uma resolução contra isso,
aprovada nos primeiros dias, e novamente Garganta
conseguiu convencê-los do contrário. Era
absolutamente necessário que os porcos, disse ele,
sendo os cérebros da granja, tivessem um lugar
calmo onde trabalhar. Além disso, viver numa casa
era mais adequado à dignidade do Líder (nos
últimos tempos dera para referir-se a Napoleão pelo
título de “Líder”) do que viver numa simples pocilga.
Mesmo assim, alguns animais se aborreceram ao
ouvir dizer que os porcos não só faziam as refeições
na cozinha e utilizavam a sala como local de
recreação, mas ainda dormiam nas camas. Sansão
resolveu o assunto com seu “Napoleão tem sempre
razão”, porém Quitéria, que tinha a impressão de
lembrar-se de uma lei específica contra camas, foi
até o fundo do celeiro e tentou decifrar os Sete
Mandamentos que lá estavam escritos. Sentindo-se
incapaz de ler mais do que algumas letras
separadamente, foi chamar Maricota.
- Maricota - pediu ela - leia para mim por favor, o
Quarto Mandamento. Não diz qualquer coisa a
respeito de nunca dormir em camas?
Com alguma dificuldade, Maricota soletrou o
mandamento:
- Diz que “Nenhum animal dormirá em cama com
lençóis”.
Interessante, Quitéria não se recordava dessa
menção a lençóis, no Quarto Mandamento. Mas, se
estava escrito na parede, devia haver. E Garganta
que por acaso passava nesse momento,
acompanhado de dois cachorros, colocou todo o
assunto na perspectiva adequada.
- Com que então vocês, camaradas, ouviram dizer
que nós, os porcos, agora dormimos nas camas da
casa? E por que não? Vocês não supunham, por
certo, que houvesse uma lei contra camas, não é? A
cama é meramente o lugar onde se dorme. Vendo
bem, um monte de palha no estábulo é uma cama.
A lei era contra os lençóis, que são uma invenção
humana. Nós retiramos os lençóis das camas da
casa e dormimos entre cobertores. Confortáveis, lá
isso são! Porém não mais do que necessitamos,
posso afirmar-lhes, camaradas, com todo o trabalho
intelectual que atualmente recai sobre nós. Vocês
não seriam capazes de negar-nos o repouso,
camaradas, seriam? Vocês não desejariam ver-nos
tão cansados que não pudéssemos cumprir nossa
missão, não? Será que alguém quer Jones de volta?
Os animais tranqüilizaram-no a esse respeito e não
se falou mais no fato de os porcos dormirem nas
camas da casa. E quando se anunciou, alguns dias
depois, que os porcos passariam a levantar-se, de
manhã, uma hora mais tarde do que os outros
bichos, ninguém se queixou disso também.
Ao chegar o outono, os animais andavam cansados,
mas felizes. Haviam tido um ano difícil, e após a
venda de uma parte da safra de feno e de trigo, os
estoques para o inverno não eram lá muito
abundantes, mas o moinho de vento compensava
tudo. Já estava quase pela metade. Após a colheita
houve um período de tempo bom e os bichos
trabalharam mais do que nunca, satisfeitos com a
tarefa de andarem para lá e para cá puxando blocos
de pedras, desde que com isso conseguissem fazer
a parede subir mais alguns centímetros. Sansão
chegava a trabalhar de noite, uma hora ou duas,
por sua conta, à luz da lua. Nas horas de folga os
animais passeavam em volta do moinho inacabado;
admirando a solidez e a verticalidade de suas
paredes, maravilhados com o fato de terem sido
capazes de construir algo tão imponente. Somente
o velho Benjamim se recusava a entusiasmar-se
com o moinho de vento, embora, como sempre, não
fizesse outro comentário além do enigma de que os
burros vivem muito tempo.
Novembro chegou, com fortes ventos de sudoeste.
Foi preciso interromper a construção, pois o tempo
estava úmido demais para a mistura de cimento.
Finalmente, houve uma noite em que a tormenta foi
tão forte que os galpões da granja tremeram na
base e várias telhas do celeiro foram arrancadas. As
galinhas acordaram cacarejando aterrorizadas, pois
haviam sonhado, todas ao mesmo tempo, com o
barulho de um tiro a distância. Pela manhã, ao
saírem os animais de suas baias, deram com o
mastro caído no chão e viram o olmeiro do pomar
desgalhado como se fosse um rabanete. Mal haviam
notado isso quando soltaram um grito lancinante de
desespero. Visão terrível se apresentava aos seus
olhos: o moinho de vento estava em ruínas.
Correram todos para o local. Napoleão, que raras
vezes abandonava seu passo normal à frente de
todos, correu também. Sim, ali estava o moinho, o
fruto de todas as suas lutas, rebaixado ao nível dos
alicerces; e as pedras, que tão laboriosamente
haviam levantado, espalhadas pelas redondezas.
Impossível falar, de início; ali ficaram olhando
tristemente à desordem das pedras caídas.
Napoleão andava 1entamente de um lado para
outro, em silêncio, ocasionalmente farejando o
chão, aqui e ali. Seu rabicho se esticava e se
sacudia energicamente, para lá e para cá, num sinal
de febril atividade mental. De repente estacou,
como se tivesse chegado a uma conclusão.
- Camaradas - disse lentamente -, quem é o
responsável por isto? Sabem quem foi o inimigo
que, na calada da noite, destruiu nosso moinho de
vento? BOLA-DE-NEVE! - rugiu violentamente com
voz de trovão. - Bola-de-Neve foi o autor disto!
Com rematada maldade, pensando em destruir
nossos planos e vingar-se de sua ignominiosa
expulsão, esse traidor penetrou até aqui, sob o
manto da escuridão, e destruiu nosso labor de
quase um ano. Camaradas, neste local e neste
momento, pronuncio a sentença de morte para
Bola-de-Neve. Uma “Herói Animal, Segunda Classe”
e meio balde de maçãs ao animal que lhe fizer
justiça. Um balde inteiro a quem o capturar vivo!
Os animais ficaram chocadíssimos ao saberem que
mesmo Bola-de-Neve fosse capaz de uma coisa
daquela. Subiu ao céu um brado de indignação e
cada um pôs-se a pensar num modo de apanhar
Bola-de-Neve, se algum dia ousasse voltar. Quase
ao mesmo tempo, descobriram-se as pegadas de
um porco a pequena distância da colina. Embora
marcassem apenas alguns metros, pareciam dirigirse
a um buraco da sebe. Napoleão cheirou-as
profundamente e declarou serem de Bola-de-Neve.
Na sua opinião, Bola-de-Neve provavelmente viera
da Granja de Foxwood. - Não percamos tempo,
camaradas! - bradou Napoleão, depois de examinar
detidamente as pegadas. - Temos muito trabalho
pela frente. Hoje mesmo, de manhã, recomeçamos
a construção do moinho de vento e trabalharemos
por todo o inverno, com sol ou com chuva.
Mostraremos a esse traidor miserável que ele não
pode desfazer nosso traba1ho assim tão facilmente.
Lembrem-se, camaradas, não deve haver
modificações em nossos planos: serão cumpridas à
risca. Para a frente, camaradas! Viva o moinho de
vento! Viva a Granja dos Bichos!

CAPÍTULO VII
Aquele inverno foi horrível. Às tempestades
seguiram-se o granizo e as nevadas, depois o gelo,
que somente se desfez em meados de fevereiro. Os
bichos fizeram todo o possível na reconstrução do
moinho de vento, conscientes de que o mundo tinha
os olhos sobre eles e de que os invejosos seres
humanos vibrariam de contentamento se o moinho
não fosse concluído a tempo.
Apesar de tudo, os humanos recusaram-se a crer
que Bola-de-Neve tivesse destruído o moinho de
vento: afirmavam que as paredes caíram porque
eram finas demais. Os animais sabiam não ser essa
a causa. Mesmo assim, deliberaram desta vez
construir as paredes com noventa centímetros de
largura, ao invés de quarenta e cinco, como
inicialmente, o que exigia muito mais pedra.
Durante longo tempo a pedreira esteve coberta de
neve e foi impossível fazer qualquer coisa. Algum
progresso se conseguiu depois, no tempo gelado e
seco que se seguiu, mas foi um trabalho cruel, e os
animais já não o realizavam com a mesma
esperança de antes. Andavam sempre com frio e,
normalmente, com fome. Somente Sansão e
Quitéria nunca desanimavam. Garganta fazia
excelentes discursos sobre a alegria e a dignidade
do trabalho, mas os animais encontravam maior
inspiração na força de Sansão e no seu indefectível
brado “Trabalharei mais ainda!”
Em janeiro, a comida diminuiu. A ração de milho foi
drasticamente reduzida e anunciou-se que uma
ração extra de batata seria entregue em seu lugar.
Descobriu-se então que a maior parte da colheita
de batatas estava congelada nas pilhas, não
suficientemente protegidas. Moles e descoradas,
poucas continuavam comíveis. Durante dias
seguidos, os bichos não tiveram senão palha e
beterraba pare comer. O espectro da fome surgia à
sua frente.
Era imprescindível ocultar esse fato ao restante do
mundo. Encorajados pelo colapso do moinho de
vento, os humanos andavam renovando mentiras
sobre a Granja dos Bichos. Mais uma vez se dizia
que os bichos morriam de fome e doenças, que
brigavam continuamente entre si e que haviam
descambado para o canibalismo e o infanticídio.
Napoleão bem sabia dos maus resultados que
poderiam advir, caso a verdadeira situação
alimentar da granja fosse conhecida, e resolveu
utilizar o Sr. Whymper para divulgar uma impressão
contrária. Até então, os animais tinham tido muito
pouco ou nenhum contato com Whymper, em suas
visitas semanais: agora, entretanto, alguns bichos
selecionados, principalmente ovelhas, foram
instruídos para comentarem, casualmente, mas de
forma bem audível, o fato de terem sido
aumentadas as rações. Em complemento, Napoleão
deu ordens para que as tulhas do depósito, que
estavam quase vazias, fossem recheadas de areia
quase até a boca, depois completadas com cereais
e farinha. A um pretexto qualquer Whymper foi
conduzido através do depósito e pôde dar uma
olhadela nas tulhas. Foi enganado e continuou a
dizer lá fora que, absolutamente, não havia falta de
alimento na Granja dos Bichos.
Não obstante, no fim de janeiro, tornou-se positiva
a necessidade de conseguir-se mais cereais em
algum lugar. Naqueles dias Napoleão raramente
apareceu em público, passando o tempo todo no
casarão, guardado por um cão mal-encarado em
cada porta. Quando surgiu outra vez, foi de maneira
cerimoniosa, com uma escolta de seis cachorros que
o cercavam de perto e rosnavam caso alguém se
achegasse demais. Freqüentemente não aparecia,
nem sequer aos domingos de manhã, enviando suas
ordens por intermédio de outro porco, de
preferência Garganta.
Certa manhã de domingo, Garganta anunciou que as
galinhas, que recentemente haviam começado a pôr,
deveriam entregar-lhe seus ovos, pois Napoleão
assinara, por intermédio de Whymper, um contrato
de fornecimento de quatrocentos ovos por semana.
O preço destes pagaria, em cereais e farinha, o
bastante para manter a granja até que chegasse o
verão e as condições do tempo melhorassem.
Ao ouvirem isso, as galinhas responderam com um
terrível cacarejo. Já haviam sido alertadas sobre
essa possibilidade, mas não pensavam que viesse a
tornar-se realidade. Como havia pouco - preparavam
suas ninhadas de ovos para a chocagem da
primavera, protestaram dizendo que tomar-lhes os
ovos, agora, era um crime. Pela primeira vez, desde
a expulsão de Jones, aconteceu algo parecido com
uma rebelião. Lideradas por três jovens frangas
Minorca, as galinhas realizaram uma ação visando a
contrariar os desejos de Napoleão. O método usado
foi voar para os caibros do telhado é dali por os
ovos, que vinham despedaçar-se no chão. Napoleão
agiu rápida e implacavelmente. Cortou a ração das
galinhas e decretou que o bicho que fosse
apanhado dando a elas um grão sequer de alimento
seria condenado à morte. Os cachorros fiscalizavam
a execução da ordem. As galinhas resistiram por
cinco dias, depois capitu1aram e voltaram para os
ninhos. Nove haviam morrido. Seus corpos foram
enterrados no pomar e, segundo se disse, a causa
da morte fora coccidiose. Whynper nada ouviu sobre
esse caso, e os ovos foram entregues
pontualmente, vindo um caminhão semanalmente
buscá-los.
Entrementes, não se falava mais em Bola-de-Neve.
Havia rumores de que estaria homiziado em uma
das granjas vizinhas, Foxwood ou Pinchfield. Nessa
época, Napoleão andava em termos ligeiramente
melhores com os outros granjeiros É que havia no
pátio várias pilhas de madeira, feitas dez anos
antes, por ocasião da derrubada de um bosque de
faias Como a madeira já estava bem seca,
Whymper aconselhara Napoleão a vendê-la, e tanto
Pilkington como Frederick desejavam comprá-la
Napoleão hesitava entre os dois, sem decidir-se
Notou-se que toda vez que parecia ter chegado a
um acordo com Frederick, surgia o boato de que
Bola-de-Neve estava escondido em Foxwood, ao
passo que, quando se inclinava para Pilkington,
Bola-de-Neve deveria andar em Pinchfield.
Subitamente, no início da primavera, descobriu-se
um fato alarmante. Bola-de-Neve estava
freqüentando a granja à noite, secretamente! Os
bichos ficaram tão preocupados que mal podiam
dormir em seus estábulos. Todas as noites, diziase,
ele se esgueirava nas sombras e perpetrava um
sem número de maldades Roubava milho, entornava
baldes de leite, quebrava ovos, esmagava os
viveiros de sementes e roía o córtex das árvores
frutíferas. Sempre que algo errado aparecia, o
culpado era Bola-de-Neve. Uma janela quebrada,
um dreno entupido, e alguém com certeza diria que
Bola-de-Neve viera à noite e fizera aquilo; quando
se perdeu a chave do depósito, toda a granja se
convenceu de que Bola-de-Neve a jogara no fundo
do poço. Interessante foi continuarem a acreditar,
mesmo depois que a chave perdida foi encontrada
sob um saco de farinha. As vacas declararam
unanimemente que Bola-de-Neve entrara em suas
baias e as havia ordenhado durante o sono. Os
ratos, por incomodarem muito durante o inverno,
foram taxados de aliados de Bola-de-Neve.
Napoleão decretou uma ampla investigação sobre
as atividades de Bola-de-Neve. Com seus cachorros
em posição de alerta, saiu e fez uma cuidadosa
inspeção nos galpões da fazenda, com os outros
animais a segui-lo a uma distância respeitosa. A
pequenos intervalos, Napoleão parava e farejava o
chão em busca de sinais de Bola-de-Neve que,
segundo disse, podia perceber pelo faro. Cheirou
cada canto, no celeiro, no estábulo, nos galinheiros,
na horta, encontrando vestígios de Bola-de-Neve
em quase toda parte. Invariavelmente encostava o
focinho no chão, puxava algumas cheiradas
profundas e exclamava numa voz terrível: “Bola-de-
Neve! Andou por aqui! Sinto perfeitamente o
cheiro!” E, à palavra “Bola-de-Neve”, a cachorrada
soltava grunhidos sanguinários, pondo os dentes à
mostra.
Os animais andavam aterrorizados. Parecia-lhes que
Bola-de-Neve era uma espécie de entidade
invisível, impregnando o ar à sua volta e
ameaçando-os com todas as espécies de perigos.
Certa tarde, Garganta reuniu-os e, com uma
expressão alarmada, disse-lhes ter várias notícias
para dar.
- Camaradas - gritou, fazendo trejeitos nervosos -,
descobrimos uma coisa pavorosa. Bola-de-Neve
vendeu-se a Frederick, da Granja Pinchfield, que
neste mesmo instante está planejando atacar-nos e
tomar nossa granja! Bola-de-Neve será o guia,
quando o ataque começar. Mas ainda há pior. Nós
pensávamos que a rebelião de Bola-de-Neve for a
causada por sua vaidade e ambição. Pois
estávamos enganados, camaradas. Sabeis qual foi a
verdadeira razão? Bola-de-Neve era aliado de Jones
desde o início! Foi, o tempo todo, agente de Jones.
Tudo isso está comprovado em documentos que
deixou e que só agora descobrimos. Para mim isso
explica muita coisa, camaradas. Pois não vimos,
com os nossos próprios olhos, a maneira como ele
tentou - felizmente sem conseguir - fazer que
fôssemos derrotados e destruídos na Batalha do
Estábulo?
Os bichos ouviam estupefatos. Isto era um crime
muitíssimo maior do que ter destruído o moinho de
vento. Mas alguns minutos se passaram até eles
compreenderem a completa significação de tudo
aquilo. Todos se lembravam, ou julgavam lembrarse,
de terem visto Bola-de-Neve carregando à
frente, na Batalha do Estábulo, de como ele os
encorajava e incitava a cada instante, não
titubeando um só segundo quando as balas de
Jones rasgaram-lhe o dorso. Inicialmente foi difícil
entender de que maneira isso combinava com estar
do lado de Jones. Até Sansão, que raras vezes fazia
perguntas, ficou confuso. Deitou-se, enfiou as patas
dianteiras debaixo do corpanzil, fechou os olhos e,
com grande esforço, tentou reunir os pensamentos.
- Não acredito - disse. - Bola-de-Neve lutou
bravamente na Batalha do Estábulo. Isso eu vi com
meus próprios olhos. Pois nós até não lhe demos
uma “Herói Animal, Primeira Classe”, logo depois? -
- Esse foi o nosso erro, camaradas. Pois agora
sabemos, e está tudo escrito nos documentos
encontrados que, na realidade, ele tentava
conduzir-nos à desgraça.
- Mas ele foi ferido - insistiu Sansão. - Todos o
vimos ensangüentado.
- Isso era parte do trato - gritou Garganta.- O tiro
de Jones pegou apenas de raspão. Eu poderia
mostrar isso a vocês, escrito com a letra dele
mesmo, se vocês soubessem ler. A combinação era
Bola-de-Neve dar o sinal de retirada no momento
crítico e abandonar o terreno ao inimigo. E ele
quase conseguiu isso, posso dizer até que teria
conseguido, se não fosse o nosso heróico Líder, o
Camarada Napoleão. Lembram-se de que, bem no
momento em que Jones e seus homens atingiram o
pátio, Bola-de-Neve, de repente, virou-se e fugiu,
seguido de muitos animais? E não foi nesse exato
momento, quando já nos dominava o pânico e tudo
parecia perdido, que o Camarada Napoleão surgiu
proferindo o brado de “Morte à Humanidade!” e
fincou os dentes na perna de Jones? Por certo vocês
se lembram disso, não é, camaradas? - exclamou
Garganta, dando pulinhos de um lado para outro.
Bem, agora que Garganta descrevera a cena tão
vividamente, parecia aos animais que de fato se
lembravam. Pelo menos lembravam-se de, no
momento crítico da Batalha, Bola-de-Neve voltar-se
para fugir. Sansão, porém, ainda permanecia um
tanto contrafeito.
- Não acredito que Bola-de-Neve fosse um traidor
desde o começo - disse por fim. - O que fez depois,
é outra coisa. Eu ainda acho que na Batalha do
Estábulo ele foi um bom camarada.
- Nosso Líder, o Camarada Napoleão - disse -
Garganta, falando devagar e com firmeza -,
declarou categoricamente, categoricamente,
camaradas!, que Bola-de-Neve era agente de Jones
desde o início...sim, desde o instante mesmo em
que imaginamos a Revolução. - Ah, isso é diferente!
- respondeu Sansão - Se o Camarada Napoleão diz,
deve ter razão.
- Hum, esse é o verdadeiro espírito, camarada! -
exclamou Garganta. Porém, todos notaram a
olhadela feia que deu para Sansão, com seus olhos
matreiros.
Depois virou-se para ir embora, mas se deteve e
acrescentou de maneira impressionante:
- Alerto a todos os animais desta fazenda para que
mantenham os olhos bem abertos. Temos motivos
para pensar que alguns dos agentes secretos de
Bola-de-Neve estão ocultos entre nós neste
momento! Quatro dias depois, à tardinha, Napoleão
mandou que os bichos se reunissem no pátio.
Quando todos haviam comparecido, Napoleão
emergiu do Casarão, ostentando ambas as suas
medalhas (pois recentemente conferira a si próprio
a “Herói Animal, ~- Primeira Classe” e a “Herói
Animal, Segunda Classe”), com seus nove cachorros
fazendo demonstrações à sua, volta e soltando
rosnados que causavam calafrios nas espinhas dos
animais. Estes se encolheram silenciosos em seus
lugares, parecendo pressentir que algo horrível
estava por acontecer.
Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à
assistência; depois deu um guincho estridente.
Imediatamente os cachorros avançaram, pegando
quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a
guinchar, de dor e terror, até os pés de Napoleão.
As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do
sangue pareceu enlouquecer os cachorros. Para
surpresa de todos, três deles lançaram-se sobre
Sansão. Este reagiu com um pataço que pegou um
dos cachorros ainda no ar, jogando-o ao solo. O
cachorro ganiu pedindo compaixão, e os outros dois
fugiram, com o rabo entre as pernas. Sansão olhou
para Napoleão para saber se devia liquidar o
cachorro ou deixá-lo ir. Napoleão pareceu mudar de
idéia e rispidamente ordenou a Sansão que o
soltasse, e ele ergueu a pata, deixando ir o
cachorro ferido, uivando.
O tumulto amainou. Os quatro porcos esperavam
trêmulos, com a culpa desenhada em cada linha do
semblante. Então Napoleão concitou-os a confessar
seus crimes. Eram os mesmos que haviam
protestado quando Napoleão abolira as Reuniões
dominicais. Sem mais demora, confessaram ter
realizado contatos secretos com Bola-de-Neve
desde o dia de sua expulsão e haver colaborado
com ele na destruição do moinho de vento;
confessaram ainda que também haviam-se
comprometido com ele a entregar a Granja dos
Bichos a Frederick. Acrescentaram que Bola-de-Neve
havia admitido, na presença deles, ter sido durante
muitos anos agente secreto de Jones. Ao fim da
confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a
garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou
se algum outro animal tinha qualquer coisa a
confessar.
As três galinhas que haviam liderado a tentativa de
reação a respeito dos ovos aproximaram-se e
declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em
sonho, instigando-as a desobedecerem as ordens
de Napoleão. Também foram degoladas. Aí veio um
ganso e confessou ter escondido seis espigas de
milho durante a colheita do ano anterior, comendoas
depois, à noite. Uma ovelha confessou ter
urinado no açude por insistência, disse, de Bola-de-
Neve - e duas outras ovelhas confessaram ter
assassinado um velho bode, seguidor
especialmente devotado de Napoleão, fazendo-o
correr em volta de uma fogueira quando ele,
coitado, estava com um ataque de asma. Foram
mortas ali mesmo. E assim prosseguiu a sessão de
confissões e execuções, até haver um montão de
cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um pesado
cheiro da sangue, coisa que não sucedia desde a
expulsão de Jones.
Quando tudo acabou, os bichos sobreviventes, com
exceção dos porcos e dos cachorros, retiraram-se
furtivamente, trêmulos e angustiados. Não sabiam
o que era mais chocante, se a traição dos animais
que se haviam acumpliciado com Bola-de-Neve, ou
se a cruel repressão recém-presenciada. Nos velhos
tempos eram freqüentes as cenas sangrentas,
igualmente horripilantes, entretanto agora lhes
pareciam ainda piores, uma vez que ocorriam entre
eles mesmos. Desde o dia em que Jones deixara a
fazenda, até aquele dia, nenhum animal matara
outro animal. Nem sequer um rato fora morto.
Haviam percorrido o caminho até a colina do moinho
inacabado e de comum acordo deitaram-se,
procurando aquecer uns aos outros - Quitéria,
Maricota, Benjamim, as vacas, as ovelhas e todo o
bando de gansos e galinhas, todos eles, afinal,
exceto o gato, que desaparecera de repente, ao
chegar a ordem de Napoleão para a reunião.
Durante algum tempo ninguém falou. Somente
Sansão permanecia de pé. Andava, impaciente, de
um lado para o outro, batendo com a longa cauda
negra aos flancos e proferindo, de vez em quando,
um gemido de estupefação. Finalmente disse:
- Não entendo. Nunca pensei que coisas assim
pudessem acontecer em nossa granja. Deve ser o
resultado de alguma falha nossa. A solução que
vejo é trabalhar mais ainda. Daqui por diante, vou
levantar uma hora mais cedo.
E saiu no seu trote pesadão, rumo à pedreira. Lá
chegando, juntou dois grandes montes de pedras e
arrastou-os até o moinho de vento, antes de
recolher-se para dormir.
Os bichos se amontoaram em volta de Quitéria, em
silêncio. O outeiro onde estavam dava-lhes uma
ampla vista da região. A maior parte da Granja dos
Bichos abria-se ante eles - a grande pastagem que
se estendia até a estrada, o campo de feno, o
bosque, o açude, os campos arados onde estava o
trigo novo, ainda fino e verde, e os telhados
vermelhos do casario da granja, onde a fumaça saía
das chaminés. Era, uma tarde clara de primavera. A
grama e a sebe em brotação douravam-se aos raios
horizontais do sol. Jamais a granja lhes parecera - e
com uma espécie de surpresa lembraram-se de que
tudo era deles, cada centímetro era de sua
propriedade - um lugar tão agradável. Olhando pela
encosta da colina, Quitéria ficou com os olhos
cheios de água. Se pudesse exprimir seus
pensamentos, diria que aquilo não era bem o que
pretendiam ao se lançarem, anos atrás, ao trabalho
de derrubar o gênero humano. Aquelas cenas de
terror e sangue não eram as que previra naquela
noite em que o velho Major, pela primeira vez, os
instigara à rebelião. Se ela própria pudesse
imaginar o futuro, veria uma sociedade de animais
livres da fome e do chicote, todos iguais, cada qual
trabalhando de acordo com sua capacidade, os mais
fortes protegendo os mais fracos, como ela
protegera aquela ninhada de patinhos na noite do
discurso do Major. Em vez disso - não podia
compreender por que - haviam chegado a uma
época em que ninguém ousava dizer o que pensava,
em que os cachorros rosnantes e malignos
perambulavam por toda parte e a gente era
obrigada a ver camaradas feitos em pedaços após
confessarem os crimes mais horríveis. Não tinha em
mente idéias de rebelião ou desobediência. Sabia
que, por piores que fossem, as coisas estavam
muito melhores do que nos tempos de Jones e que
antes de mais nada era preciso evitar o retorno dos
seres humanos. Acontecesse o que acontecesse, ela
permaneceria fiel, trabalharia bastante, cumpriria as
ordens recebidas e aceitaria a liderança de
Napoleão. Mesmo assim, não fora por aquilo que
ela e todos os animais haviam esperado e
trabalhado. Não fora para aquilo que haviam
construído o moinho de vento e enfrentado as balas
da espingarda de Jones. Tais eram seus
pensamentos, embora ela não tivesse palavras para
expressá-los.
Por fim, sentindo que assim substituiria as palavras
que não conseguia encontrar, começou a cantar
Bichos da Inglaterra. Os outros animais, sentados à
sua volta, foram aderindo e cantaram a canção três
vezes - bem na melodia, mas lenta e tristemente
como nunca haviam cantado antes.
Mal haviam terminado de cantar a terceira vez,
apareceu Garganta, seguido de dois cachorros, com
ar de quem tem coisa muito importante a dizer.
Anunciou que, por decreto especial do Camarada
Napoleão, a canção Bichos da Inglaterra fora
abolida. Daquele momento em diante, era proibido
cantá-la.
Os animais foram colhidos de surpresa.
- Por quê? - exclamou Maricota.
- Não há necessidade, camaradas - respondeu
Garganta inflexivelmente. - Bichos da Inglaterra era
a canção da Revolução. Mas a Revolução agora está
concluída. A execução dos traidores, hoje à tarde,
foi o ato final. Em Bichos da Inglaterra
expressávamos nosso anseio por uma sociedade
melhor, no porvir. Ora, essa sociedade já foi
instituída. Evidentemente, o hino não tem mais
valor algum.
Mesmo amedrontados como estavam, alguns
animais poderiam ter protestado, se nesse
momento as ovelhas não enveredassem pelo
“Quatro pernas bom, duas pernas ruim”, que durou
vários minutos, pondo fim à discussão.
E, assim, não mais se ouviu Bichos da Inglaterra.
Em seu lugar, Mínimo, o poeta, compusera outra
canção que começava dizendo: Granja dos Bichos,
Granja dos Bichos,
Jamais te farão mal!
e isto passou a ser cantado todos os domingos
após o hasteamento da bandeira. Mas, de certa
maneira, nem a letra nem a música jamais
pareceram, aos animais, como as de Bichos da
Inglaterra.

CAPÍTULO VIII
Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror
causado pelas execuções, alguns animais
lembraram-se - ou julgaram lembrar-se - de que o
Sexto Mandamento rezava: “Nenhum animal matará
outro animal.” Embora ninguém o mencionasse ao
alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros,
parecia-lhes que a matança ocorrida não se
ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a
Benjamim que lesse o Sexto Mandamento e quando
Benjamim, como sempre, respondeu que se
recusava a envolver-se em tais assuntos, procurou
Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento.
Dizia: “Nenhum animal matará outro animal, sem
motivo.” De uma ou outra maneira, as duas últimas
palavras haviam escapado à memória dos bichos.
Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não
fora violado; sim, pois, evidentemente, havia boas
razões para matar os traidores que se haviam
aliado a Bola-de-Neve.
Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda
mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho
de vento, as paredes com o dobro de espessura,
sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o
trabalho normal da granja, era tudo tremendamente
laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu
que estavam trabalhando mais do que no tempo de
Jones, sem se alimentarem melhor. Nos domingos
de manhã, Garganta, segurando uma comprida folha
de papel, lia, para eles relações de estatísticas
comprobatórias de que a produção de todas as
classes de gêneros alimentícios aumentara de
duzentos, trezentos ou quinhentos por cento,
conforme o caso. Os bichos não viam razão para
desacreditá-lo, especialmente porque já não
conseguiam lembrar-se com clareza das exatas
condições de antes da Revolução. Mesmo assim,
dias havia em que prefeririam ter menos
estatísticas e mais comida.
Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio
de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era
visto em público mais do que uma vez cada quinze
dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só
pela sua matilha de cães, mas também por um
garnisé preto que marchava à sua frente, atuando
como arauto, soltando um cocoricó antes de cada
fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam,
ele habitava um apartamento separado dos demais.
Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para
servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana
da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a
espingarda seria disparada anualmente na data do
aniversário de Napoleão, assim como nos outros
dois aniversários.
- • -
Agora já não mencionavam Napoleão como
“Napoleão” simplesmente. Referiam-se a ele de
maneira formal, como “nosso Líder, o Camarada
Napoleão”, e os porcos gostavam de inventar para
ele títulos tais como Pai de Todos os Bichos, Terror
da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos
Pintainhos e assim por diante. Garganta, em seus
discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava
na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu
coração, no profundo amor que devotava aos
animais de todos os lugares, mesmo - e
especialmente - aos infelizes animais que ainda
viviam na ignorância e na escravidão, em outras
granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o
crédito de todos os êxitos e de todos os golpes de
sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha
comentar para outra: “Sob a orientação de nosso
Líder, o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis
dias”; ou duas vacas, bebendo juntas no açude,
exclamarem: “Graças à liderança do Camarada
Napoleão, que gosto bom tem esta água!” O
sentimento geral da granja era bem expresso num
poema intitulado “O Camarada Napoleão”, composto
por Mínimo, que era assim:
Amigo dos órfãos!
Fonte da Felicidade! Senhor do balde de lavagem!
Oh, minh’alma arde
Em fogo quando eu te vejo
Assim, calmo e soberano,
Como o sol na imensidão,
Camarada Napoleão!
Tu és aquele que tudo dá, tudo
Quanto as pobres criaturas amam.
Barriga cheia duas vezes por dia, palha limpa onde
rolar;
Todos os bichos, grandes, pequenos,
Dormem tranqüilos, enquanto
Tu zelas por nós na solidão,
Camarada Napoleão!
Tivesse eu um leitão e
Antes mesmo que atingisse
O tamanho de um garrafão ou de um barril
Já teria aprendido a ser, eternamente,
Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro
Guincho que daria meu leitão. seria:
”Camarada Napoleão!”
Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo
no grande celeiro, na parede oposta àquela onde
estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi
colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por
Garganta.
Enquanto isso, por intermédio de Whymper,
Napoleão envolvera-se em negociações
complicadíssimas com Frederick e Pilkington. As
pilhas de madeira ainda não estavam vendidas.
Dentre os dois, Frederick era o mais ansioso por
colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço
razoável. Ao mesmo tempo circulavam renovados
boatos de que Frederick e seus homens estavam
planejando atacar a Granja dos Bichos e destruir o
moinho de vento, cuja construção lhe causara
enorme ciúme. Sabia-se que Bola-de-Neve ainda
estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao
verão correu entre os animais a notícia alarmante
de que três galinhas se haviam apresentado
confessando que, instigadas por Bola-de-Neve,
haviam conspirado para assassinar Napoleão. Foram
executadas imediatamente e se tomaram novas
medidas para a segurança de Napoleão. Quatro
cachorros passaram a montar guarda junto à sua
cama, durante a noite, um em cada canto, e um
jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa de
provar a comida, para evitar que ele fosse
envenenado.
Mais ou menos por essa época, foi anunciado que
Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao
Sr. Pilkington; ia assinar também um acordo regular
para a troca de certos produtos entre a Granja dos
Bichos e Foxwood. As relações entre Napoleão e
Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio
de Whymper, eram agora quase amistosas. Os
bichos não confiavam em Pilkington, ser humano
que era, mas preferiam-no a Frederick, a quem
tanto temiam quanto odiavam. Com o passar do
verão e estando o moinho de vento perto da
conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro
ataque tornavam-se cada vez mais fortes. Frederick,
dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens
armados de espingardas e já subornara os
magistrados e a polícia, de forma que, se
conseguissem colocar as mãos nas escrituras de
propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse
problema algum. Além disso, filtravam-se de
Pinchfield terríveis histórias a respeito das
barbaridades a que Frederick submetia seus
animais. Havia chicoteado um cavalo velho até
liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara
um cachorro jogando-o numa fornalha, divertia-se
de noite assistindo a brigas de galos, em cujas
esporas colocava pedaços de lâminas de barbear. O
sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam
contar o que se fazia contra seus camaradas e, às
vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair
para atacar Pinchfield, expulsar os humanos e
libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os
a evitar essas atitudes violentas e a confiar na
estratégia do Camarada Napoleão. -
Não obstante, crescia o sentimento de ódio com
relação a Frederick. Certo domingo de manhã,
Napoleão apareceu no celeiro e declarou que
jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas
de madeira a Frederick; considerava abaixo de sua
dignidade, disse, fazer negócios com patifes
daquela espécie. Os pombos, que continuavam a
espalhar as mensagens da Revolução, foram
proibidos de pôr os pés em qualquer ponto de
Foxwood e receberam ordem de modificar seu
slogan de “Morte à Humanidade” para “Morte a
Frederick”. Entrementes, no fim do verão, foi
revelada outra das maquinações de Bola-de-Neve. A
lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se
que Bola-de-Neve havia misturado sementes de joio
às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito
confessou sua culpa a Garganta e suicidou-se
comendo frutinhas de erva-moura. Os animais
ficaram sabendo também que Bola-de-Neve jamais
havia recebido, como pensavam muitos até então, a
comenda de “Herói Animal, Primeira Classe”. Era
apenas uma lenda, criada algum tempo depois da
Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve.
Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele for
a repreendido por demonstrar covardia durante a
batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso
com perplexidade, mas Garganta conseguiu
convencê-los de que fora um lapso de suas
memórias. . .
No outono, após um tremendo e exaustivo esforço,
pois a colheita se fizera ao mesmo tempo, o
moinho de vento estava concluído. Restava ainda
instalar a maquinaria e Whymper andava tratando
das compras, mas a estrutura já estava pronta.
Contra todas as dificuldades, a despeito da
inexperiência, dos implementos primitivos, da falta
de sorte e da perfídia de Bola-de-Neve, a obra
estava concluída no exato dia marcado! Cansados,
mas orgulhosos, os bichos deram voltas e mais
voltas em torno de sua obra-prima, que lhes parecia
ainda mais linda do que da primeira vez. Alémdisso,
as paredes tinham agora o dobro da
espessura. Exceto explosivos, nada poderia colocá-
las abaixo. E ao pensarem nas modificações que
suas vidas sofreriam quando as pás estivessem
girando e os dínamos em ação - ao pensarem em
tudo isso, o cansaço os abandonava e eles
saltavam ao redor do moinho de vento, dando gritos
de alegria. Napoleão em pessoa, acompanhado dos
seus cachorros e do seu garnisé, veio inspecionar o
trabalho concluído; congratulou-se com os animais
pelo feito e anunciou que o moinho se chamaria
“Moinho Napoleão”.
Dois dias mais tarde, os animais foram convidados
para uma reunião especial no celeiro. E ficaram
abobados de surpresa quando Napoleão comunicou
ter vendido a madeira a Frederick. No dia seguinte,
os caminhões de Frederick chegariam para o
carregamento. Durante todo o período de aparente
amizade com Pilkington, Napoleão na realidade
negociara um acordo secreto com Frederick.
Todas as relações com Foxwood foram cortadas e
enviadas a Pilkington mensagens insultuosas. Os
pombos receberam ordem de não pousar mais na
Granja Pinchfield e mudar o slogan de “Morte a
Frederick” para “Morte a Pilkington”. Ao mesmo
tempo Napoleão assegurou a todos que as histórias
sobre o iminente ataque à Granja dos Bichos eram
inteiramente falsas e que os boatos a respeito da
crueldade de Frederick para com os animais eram
muito exagerados. Todos esses boatos eram,
provavelmente, coisa de Bola-de-Neve e seus
agentes. Parecia, agora, que Bola-de-Neve, na
realidade, não estava escondido na Granja
Pinchfield; aliás nunca estivera lá, em toda sua
vida, vivia (e cercado de muito luxo, sabiam agora)
em Foxwood, sendo, além do mais, pensionista de
Pilkington há muitos anos.
Os porcos estavam quase em êxtase com a
esperteza de Napoleão. Fingindo ser amigo de
Pilkington, obrigara Frederick a aumentar seu preço
em doze libras. Porém, a qualidade superior da
mente de Napoleão, dizia Garganta, estava no fato
de não confiar em ninguém, nem mesmo em
Frederick. Este quisera pagar a madeira com uma
coisa chamada cheque, que era, ao que diziam, um
pedaço de papel com uma promessa de pagamento
escrita. Mas Napoleão era vivo demais para isso.
Exigiu o pagamento em notas autênticas de cinco
libras, que deveriam ser entregues antes da
retirada da madeira. Frederick já pagara; e a soma
era suficiente para comprar a maquinaria do moinho
de vento.
A madeira já fora retirada com grande rapidez.
Quando todo carregamento estava bem longe,
houve outra reunião especial no celeiro, para os
bichos examinarem as notas de Frederick. Sorrindo
beatificamente e usando suas condecorações,
Napoleão recos tara-se numa cama de palha, com o
dinheiro a seu lado, cuidadosamente empilhado
numa travessa da cozinha da casa-grande. Os
animais passavam lentamente em fila e cada um
olhava o tempo que quisesse. Sansão espichou o
focinho para cheirar as notas e as delicadas
coisinhas agitaram-se e farfalharam com sua
respiração.
Três dias mais tarde, houve um deus-nos-acuda.
Whymper, branco como cera, chegou afobado com
sua bicicleta, deixou-a caída no pátio e correu para
dentro da casa. Daí a momentos ouviu-se um
pavoroso rugido de raiva vindo do apartamento de
Napoleão. A notícia do que sucedera espalhou-se
pela granja com a rapidez de um raio. As notas
eram falsas! Frederick levara a madeira de graça!
Napoleão imediatamente chamou os animais e com
um vozeirão de arrepiar proclamou a sentença de
morte contra Frederick. Ao ser capturado, disse,
Frederick seria queimado vivo. Ao mesmo tempo
avisou que, depois daquela insídia, deveriam
esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam
desencadear a qualquer momento o tão falado
ataque. Foram colocadas sentinelas em todos os
caminhos que conduziam à granja. Além disso,
quatro pombos foram mandados a Foxwood com
uma mensagem conciliadora, que levava as
esperanças de restabelecer as boas relações com
Pilkington. -
Logo na manhã seguinte sobreveio o ataque. Os
animais estavam fazendo a refeição matinal,
quando as sentinelas chegaram correndo com a
notícia de que Frederick e seus seguidores já
haviam atravessado a porteira das cinco barras.
Corajosamente, os bichos saíram ao seu encontro,
mas desta vez não obteriam uma vitória fácil como
a da Batalha do Estábulo. Eram quinze homens,
com meia dúzia de espingardas, e abriram fogo tão
logo chegaram a cinqüenta metros. Os animais não
puderam fazer frente à saraivada de balas e, a
despeito dos esforços de Napoleão e Sansão para
fazê-los voltar à luta, retrocederam. Muitos já
estavam feridos. Refugiaram-se no casario da
granja e ficaram olhando prudentemente pelos
buracos. Toda pastagem, inclusive o moinho de
vento, caíra nas mãos do inimigo. Até Napoleão
estava perplexo. Caminhava de um lado para o
outro, sem proferir palavra, com o rabo rígido e
contraído. Olhares ansiosos eram lançados na
direção de Foxwood. Se Pilkington e seus homens
os ajudassem, ainda poderiam ganhar a parada.
Porém, nesse momento, voltaram os quatro pombos
enviados no dia anterior, um deles trazendo um
pedaço de papel da parte de Pilkington, com as
palavras “Bem feito” escritas a lápis.
Enquanto isso, Frederick e seus homens se haviam
detido junto ao moinho de vento. Os animais
continuavam observando e viram surgir um pé-decabra
e um malho. Correu um murmúrio de aflição.
Iam botar abaixo o moinho de vento.
- Impossível - exclamou Napoleão. - As paredes são
grossas demais para isso. Nem em uma semana
conseguirão. Coragem, camaradas.
Benjamim, porém, observava atentamente a
atividade dos homens. Lentamente, com um ar de
quem se diverte, meneou o focinho.
- Exatamente o que eu supunha - disse ele. Vocês
não vêem o que eles estão fazendo? Daqui a pouco
vão colocar explosivos naquele buraco.
Aterrorizados, os bichos esperaram. Era impossível
abandonar a proteção das casas Daí a pouco os
homens saíram correndo em todas as direções.
Ouviu-se, logo após, um estrondo ensurdecedor. Os
pombos revolutearam no ar e os animais todos,
exceto Napoleão, jogaram-se ao chão. Quando se
levantaram outra vez, havia uma gigantesca nuvem
preta no lugar do moinho. Aos poucos, a brisa a
dissolveu. O moinho de vento havia desaparecido!
Aquilo devolveu a coragem aos animais. O medo e o
desânimo que sentiam foram engolfados pelo
tremendo ódio - que os dominou ante aquela vilania
inominável. Um brado de vingança subiu aos ares;
sem esperar ordens, reuniram-se e, como um só
corpo, lançaram-se contra o inimigo. Desta vez não
fugiram às balas cruéis que caíam sobre eles, em
saraivadas. Foi uma batalha horrível, selvagem. Os
homens atiraram várias vezes e quando os animais
os alcançaram foi aquela pancadaria em todas as
direções, com porretes e tacões de bota. Morreram
uma vaca, três ovelhas e dois gansos, e quase todo
mundo ficou ferido. Até Napoleão, que dirigia as
operações da retaguarda, teve a ponta do rabicho
arranhada por um balim. Mas aos homens não tocou
melhor sorte. Três tiveram as cabeças quebradas
pelos golpes de Sansão; outro, a barriga furada
pelo chifre de uma vaca; outro viu suas calças
quase arrancadas por Lulu e Ferrabrás. E quando os
nove cachorros da guarda pessoal de Napoleão, que
este mandara realizar um movimento por trás da
sebe, apareceram de repente no flanco dos
humanos, latindo furiosamente, o pânico os
dominou. Perceberam o perigo de serem cercados.
Frederick gritou a seus homens que se retirassem
enquanto havia passagem, e em seguida o inimigo
fugia acovardado para salvar a vida. Os animais
perseguiram-nos até o fundo do campo, aplicandolhes
ainda os últimos golpes ao atravessarem a
sebe de pilriteiro.
Haviam vencido, mas estavam feridos e sangravam.
Lentamente, começaram a voltar para a granja. A
vista dos camaradas mortos, estirados sobre a
relvas comoveu alguns até as lágrimas. E por
alguns minutos detiveram-se num triste silêncio no
local onde existira o moinho. Sim, ele sumira; forase
quase todo o seu trabalho. Até os alicerces
estavam parcialmente destruídos. E desta vez para
reconstruí-lo não bastaria erguer de novo pedras
caídas ali mesmo: estas também haviam
desaparecido. A força da explosão as arremessara a
centenas de metros. Era como se o moinho jamais
houvesse existido.
Ao se aproximarem do sítio, Garganta, que estivera
inexplicavelmente ausente da luta, veio-lhes ao
encontro, sacudindo o rabicho e guinchando de
satisfação. E os animais ouviram, da direção da
granja, o troar solene da espingarda.
- A troco de quê está atirando aquela arma? -
perguntou Sansão.
- Para celebrar nossa vitória! - exclamou Garganta.
- Vitória. Que vitória? - gritou Sansão. Tinha os
joelhos sangrando, perdera uma ferradura, rachara o
casco e uma dúzia de chumbinhos haviam-se
alojado em sua pata traseira.
- Você pergunta que vitória, camarada? Mas então
não expulsamos o inimigo do nosso solo, do solo
sagrado da Granja dos Bichos?
- Mas eles destruíram o moinho de vento. Nosso
trabalho de dois anos!
- Que importa? Construiremos outro moinho de
vento. Construiremos meia dúzia de moinhos de
vento, se quisermos. Vocês não percebem,
camaradas, que coisa formidável realizamos? O
inimigo ocupava este mesmo chão em que pisamos.
E agora, graças à liderança do Camarada Napoleão,
nós o ganhamos centímetro por centímetro!
- Quer dizer, ganhamos o que já era nosso -
retrucou Sansão.
- Essa foi a nossa vitória - insistiu Garganta. -
Coxearam até o pátio. As balas, sob o couro de
Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à
sua frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho
de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao
trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe
a lembrança de que já tinha onze anos de idade e
que talvez seus músculos já não tivessem a mesma
força de antes.
Porém, quando os bichos viram tremular a bandeira
verde, ouviram a arma atirar novamente - sete tiros
ao todo - e o discurso que Napoleão fez
congratulando-se com a atuação deles, pareceulhes
que, afinal de contas, haviam obtido uma
grande vitória. Os animais caídos na batalha
tiveram funerais solenes. Sansão e Quitéria
puxaram o carroção que serviu de carro fúnebre e
Napoleão abriu em pessoa o cortejo. Dedicaram-se
dois dias inteiros às celebrações. Houve canções,
discursos, novos disparos da espingarda e o prêmio
especial de uma maçã para cada animal, cinqüenta
gramas de milho para cada ave e três biscoitos para
cada cachorro. Proclamou-se que a batalha se
chamaria Batalha do Moinho de Vento e que
Napoleão havia criado nova comenda, a Ordem da
Bandeira Verde, que conferira a si próprio. Em meio
ao regozijo geral, o assunto das notas de dinheiro
foi esquecido.
Foi alguns dias depois disso que os porcos
encontraram, na adega da casa-grande, uma caixa
de uísque. Passara despercebida na época da
ocupação. Naquela noite chegou da casa o som de
uma cantoria em que, para surpresa de todos, se
ouviam trechos de Bichos da Inglaterra. Mais ou
menos às nove e meia da noite, Napoleão, usando
um velho chapéu coco de Jones, foi visto
claramente emergir da porta traseira, dar um rápido
galope em volta do pátio e sumir pela porta outra
vez. Na manhã seguinte, um silêncio profundo
tomara conta da casa. Ao que parecia, nenhum
porco estava de pé. Eram quase nove horas quando
apareceu Garganta, vacilante e deprimido, com os
olhos embaçados o rabicho mole, com um aspecto
seriamente doentio. Chamou todo mundo e disse
que tinha péssimas notícias para dar. O Camarada
Napoleão estava à morte!
Ouviu-se um grito de lamento Colocaram palha fora
da porta da casa e os animais entraram pé ante pé.
Com lágrimas nos olhos, perguntavam-se que seria
deles se o Líder faltasse. Correu o boato de que
Bola-de-Neve afinal conseguira envenenar a comida
de Napoleão. As onze, Garganta saiu de novo para
fazer outra proclamação. Como último ato sobre a
terra, o Camarada Napoleão expedira o seguinte
decreto: a ingestão de álcool seria punida com a
morte.
Já à noite, Napoleão parecia um pouco melhor e na
manhã seguinte Garganta pôde anunciar sua franca
recuperação. Na tarde desse dia Napoleão voltou à
atividade e no dia seguinte soube-se que dera
instruções a Whymper para comprar, em Willingdon,
alguns folhetos sobre fermentação e destilação.
Uma semana depois, Napoleão deu ordem que
fosse arado o pequeno potreiro atrás do pomar,
anteriormente destinado ao repouso dos animais
aposentados. Espalhou-se que a pastagem estava
cansada e necessitava de uma nova semeadura,
porém logo se soube que Napoleão pretendia
semeá-la com cevada.
Mais ou menos nessa época, aconteceu um
incidente que nenhum dos bichos pôde
compreender. Certa noite, à meia-noite mais ou
menos, ouviu-se um ruído de queda no pátio e os
animais correram de suas baias para ver o que
sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do
fundo do grande celeiro, na qual estavam escritos
os Sete Mandamentos, encontraram uma escada
quebrada em dois pedaços. Garganta,
momentaneamente aturdido, jazia estatelado junto
a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e
uma lata de tinta branca, entornada. Os cachorros
fizeram imediatamente um círculo em torno de
Garganta e escoltaram-no de volta à casa-grande,
tão logo ele pôde caminhar. Os bichos não
conseguiam fazer sequer idéia do que significava
aquilo, exceto Benjamim, que torceu o focinho com
um ar de compreensão e pareceu entender o que se
passara, mas nada disse.
Porém, alguns dias mais tarde, Maricota, lendo os
Sete Mandamentos, notou que havia outro
mandamento mal recordado pelos animais. Todos
pensavam que o Quinto Mandamento era “Nenhum
animal beberá álcool”, mas haviam esquecido duas
palavras. Na realidade, o Mandamento dizia:
“Nenhum animal beberá álcool em excesso.”

CAPÍTULO IX
A rachadura do casco de Sansão levou muito tempo
para cicatrizar. Haviam iniciado a reconstrução do
moinho de vento no dia seguinte ao final das
celebrações. Sansão recusou-se a aceitar um só dia
de dispensa e fez questão de honra em não dar
mostras da dor que sofria. À noite, admitia em
particular para Quitéria que o casco realmente ø
incomodava muito. Quitéria tratava-o com infusões
de ervas, que preparava mastigando, e tanto ela
como Benjamim diziam a Sansão que não
trabalhasse tanto Os pulmões de um cavalo não
são de ferro, alertava ela. Sansão, porém, não
atendia. Explicava só tinha uma ambição - ver o
moinho de vento Concluído antes de aposentar-se.
De início, quando as leis da Granja dos Bichos
foram elaboradas, fixara-se a idade de
aposentadoria em doze anos para os cavalos e os
porcos, catorze para as vacas, nove para os
cachorros, sete para as ovelhas e cinco para as
galinhas e os gansos. Pensões liberais se
estabeleceram para os animais idosos. Até então,
nenhum bicho se aposentara, mas ultimamente o
assunto vinha sendo objeto de freqüentes
conversas. Como o potreiro atrás do pomar fora
semeado com cevada, dizia-se agora que um canto
da pastagem grande seria cercado e reservado para
os velhos. Para os cavalos, ao que se falava, a
pensão seria de dois quilos e meio de milho por dia
e, no inverno, oito quilos de feno, mais uma
cenoura, ou talvez uma maçã, nos feriados. O
décimo segundo aniversário de Sansão seria no fim
do verão do ano seguinte.
A vida ia dura. O inverno foi tão frio quanto o
anterior, e a quantidade de alimento ainda menor.
Novamente foram reduzidas todas as rações, exceto
as dos porcos e dos cachorros. Uma igualdade por
demais rígida em matéria de rações, explicou
Garganta, seria contrária ao espírito do Animalismo.
De qualquer maneira, não teve dificuldade em
provar aos outros bichos que na realidade eles não
sentiam falta de comida, a despeito das aparências.
Naquele momento, de fato, fora necessário realizar
um reajustamento das rações (Garganta sempre se
referia a “reajustamentos”, nunca a “reduções”),
mas, em comparação com o tempo de Jones, a
diferença para melhor era enorme. Lendo os dados
estatísticos em voz aguda e rápida, provou-lhes,
com riqueza de detalhes, que eles recebiam mais
aveia, mais feno e mais do que na época de Jones;
que trabalhavam muito menos, que a água potável
era de melhor qualidade, que viviam mais tempo,
que havia mais palha nas baias e que as pulgas já
não incomodavam tanto. Os animais acreditavam
em cada palavra. Para falar a verdade, tanto Jones
como tudo quanto ele representava já estavam
quase apagados de suas memórias. Sabiam que a
vida estava difícil e cheia de privações, que
andavam constantemente com frio e com fome, e
traba1hando sempre que não estavam dormindo.
Mas, sem dúvida, antigamente fora muito pior.
Gostavam de acreditar nisso. Além do mais,
naqueles dias eram escravos, ao passo que, agora,
eram livres; e tudo isso, afinal, fazia diferença,
conforme Garganta sempre dizia.
Havia agora muito mais bocas a alimentar. No
outono as quatro porcas haviam dado cria quase
simultaneamente - trinta e um leitõezinhos ao
todo. Os leitões eram malhados, e, sendo Napoleão
o único cachaço da fazenda, era fácil adivinhar sua
linguagem. Foi proclamado que, mais tarde, quando
comprassem tábuas e tijolos, seria construída uma
escola no jardim da casa. Por enquanto, os leitões
seriam instruídos pelo próprio Napoleão, na
cozinha. Faziam seus exercícios no jardim e eram
aconselhados a não brincar com os filhotes dos
outros animais. Mais ou menos por essa época,
estabeleceu-se que, quando um porco e outro
animal se encontrassem numa trilha, o outro animal
cederia a passagem; e também que os porcos,
qualquer que fosse seu grau hierárquico teriam o
direito de usar fitas vermelhas no rabicho aos
domingos.
A granja tivera um ano bem sucedido, mas faltava
dinheiro. Era necessário comprar tijolos, areia e cal
para a escola, e economizar outra vez para a
maquinaria do moinho de vento. Além disso, havia
ainda necessidade de querosene para os lampiões e
velas para a casa, açúcar para a mesa de
Napoleão(ele o proibira para os outros porcos,
dizendo que engordava), todo o suprimento normal
de ferramentas, pregos, carvão, arame, ferro velho,
e biscoitos para cachorros. Venderam uma meda de
feno e parte da colheita de batatas, e o contrato de
fornecimento de ovos foi aumentado para
seiscentos por semana, de forma que as galinhas
naquele ano mal puderam chocar um número de
ovos, que as mantivesse no mesmo nível. As
rações, já reduzidas em dezembro, sofreram nova
redução em fevereiro, e foram proibidos os lampiões
nos estábulos, a fim de economizar querosene. Os
porcos, entretanto, pareciam bastante bem, pelo
menos ganhavam sempre alguns quilinhos.
Uma tarde, em fins de fevereiro, correu pelo pátio,
proveniente da cozinha, um cheiro gostoso,
suculento, quentinho, como nunca os animais
haviam sentido antes. Alguém disse que era cheiro
de cevada cozida. Os bichos farejaram avidamente
o ar e ficaram a pensar se não seria algum fervido
para o jantar. Mas não apareceu fervido nenhum no
jantar e no domingo seguinte foi comunicado que
toda a cevada passaria a ser reservada para os
porcos. O campinho junto ao pomar já fora semeado
com cevada e logo transpirou a notícia de que cada
porco estava recebendo diariamente, a ração de
meia garrafa de cerveja, sendo que Napoleão
recebia meio galão e era servido na terrina da
baixela de porcelana.
Mas se havia grandes agruras a arrostar, estas eram
compensadas pelo fato de a vida agora ter muito
mais dignidade. Havia mais canções, mais
discursos, mais desfiles. Napoleão determinara que
uma vez por semana houvesse uma coisa chamada
Manifestação Espontânea, cuja finalidade era
comemorar as lutas e triunfos da Granja dos Bichos.
À hora marcada os animais deviam abandonar o
trabalho e desfilar pelo terreno da granja, em
formação militar, os porcos à frente, depois os
cavalos, depois as vacas, depois as ovelhas e, por
último, as aves. Os cachorros enquadravam a
formatura e à testa marchava o garnisé preto de
Napoleão. Sansão e Quitéria conduziam sempre a
bandeira verde com o desenho do chifre e da
ferradura e a legenda “Viva o Camarada Napoleão”.
A seguir havia recitação de poemas compostos em
honra de Napoleão, um discurso de Garganta dando
detalhes dos últimos aumentos na produção de
gêneros, e no momento exato a espingarda dava
um tiro. Quem mais gostava das Manifestações
Espontâneas eram as ovelhas, e se alguém se
queixava (havia quem o fizesse, quando os porcos
ou os cachorros não andavam por perto) de que
aquele negócio era uma perda de tempo e obrigava
a ficar bom pedaço no frio, as ovelhas
invariavelmente calavam o insatisfeito com um
ensurdecedor balido de “Quatro pernas bom, duas
pernas ruim!” De modo geral, porém, os bichos
gostavam daquelas celebrações. Achavam
confortador serem relembrados de que, afinal, não
tinham patrões e todo trabalho que enfrentavam
era em seu próprio benefício. E assim, à custa das
cantorias, dos desfiles, das estatísticas de
Garganta, do estrondo da espingarda, do cocoricó
do garnisé e do drapejar da bandeira, conseguiam
esquecer que estavam de barriga vazia, pelo menos
a maior parte do tempo.
Em abril, a Granja dos Bichos foi proclamada
República e houve necessidade de eleger um
Presidente. Apareceu um só candidato, Napoleão,
que foi eleito por unanimidade. No mesmo dia
notificou-se a descoberta de novos documentos,
que revelavam mais detalhes sobre a cumplicidade
de Bola-de-Neve com Jones. Soube-se que Bola-de-
Neve não apenas tentara perder a Batalha do
Estábulo, por meio de um estratagema, conforme os
animais já tinham tomado conhecimento, mas
lutara abertamente ao lado de Jones. Na realidade,
fora ele o verdadeiro líder das forças humanas e
jogara-se à batalha com as palavras “Viva a
Humanidade!” nos lábios. Os ferimentos em suas
costas, que alguns poucos bichos lembravam-se de
ter visto, haviam sido causados pelos dentes de
Napoleão.
Em meio ao verão, Moisés, o corvo, reapareceu
inesperadamente na granja, após uma ausência de
vários anos. Continuava o mesmo, não trabalhava e
contava as histórias de sempre a respeito da
Montanha de Açúcar. Encarapitava-se num toco de
árvore e arengava durante horas para quem
quisesse ouvir:
- Lá em cima, camaradas - dizia ele, solenemente,
apontando o céu com a bicanca - lá em cima, pouco
além daquela nuvem preta, ali está ela, a Montanha
de Açúcar, o lugar feliz onde nós, pobres animais,
descansaremos para sempre desta nossa vida de
trabalho. Chegava a afirmar haver estado lá, num
dos vôos mais altos, e ter visto os infindos campos
de trevo e os bolos de linhaça e o açúcar crescendo
nas sebes. Muitos bichos acreditavam. Suas vidas
atualmente eram de fome e de trabalho,
raciocinavam; era justo que lhes estivesse
reservado um mundo melhor, mais além? Coisa
difícil de determinar era a atitude dos porcos, com
relação a Moisés. Eles afirmavam peremptoriamente
que as histórias sobre a Montanha de Açúcar não
passavam de pura mentira; no entanto, deixavamno
permanecer na granja, sem trabalhar, e ainda por
cima com direito a um copo de cerveja por dia.
Depois que o casco ficou bom, Sansão trabalhou
mais violentamente do que nunca. Aliás, naquele
ano todos os bichos trabalharam feito escravos.
Além da faina normal na fazenda e da reconstrução
do moinho de vento, ainda houve a escola dos
porquinhos, iniciada em março. Às vezes tornava-se
difícil agüentar as longas horas sem comer, mas
Sansão nunca fraquejou. Em nada do que dizia ou
fazia era possível perceber qualquer sinal de que
sua energia já não era a mesma de antigamente.
Apenas sua aparência estava um pouco modificada;
o pêlo já não era tão brilhante e as ancas pareciam
haver murchado. Sansão vai-se recuperar quando
crescer o capim da primavera, diziam os outros -
porém a primavera chegou e Sansão não mudou de
aspecto. Por vezes, na rampa da pedreira, quando
enrijecia a musculatura contra o peso de um enorme
pedregulho, tinha-se a impressão de que apenas a
vontade o mantinha de pé. Nesses momentos seus
lábios formavam claramente as palavras
“Trabalharei mais ainda”; não emitia qualquer som.
Novamente Quitéria e Benjamim o aconselharam,
porém ele não deu atenção. Seu décimo segundo
aniversário se aproximava.
Não se importava com o que sucedesse, desde que
pudesse acumular uma boa quantidade de pedras
antes de aposentar-se.
Certa noite, no verão, correu a súbita notícia de que
algo acontecera a Sansão, que havia saído sozinho
para puxar uns montes de pedra até o moinho. E
era verdade. Poucos minutos depois chegaram dois
pombos afobados:
- Sansão está caído! - Não consegue levantar-se!
Metade dos animais da granja correu para a colina
do moinho de vento. Lá estava Sansão, deitado
entre os paus da carroça, com o pescoço esticado e
sem poder sequer levantar a cabeça. Corria-lhe da
boca um filete de sangue. Quitéria ajoelhou-se a
seu lado.
- Sansão - chamou ela -, você está bem?
- É o meu pulmão - disse ele quase sem voz. - Não
tem importância. Vocês terminarão o moinho sem
mim. Já deixei bastante pedra aí, De qualquer
maneira só me restava um mês de atividade. Para
falar a verdade, tenho estado à espera desta hora.
E, como Benjamim também está ficando velho
talvez o deixem aposentar-se para me fazer
companhia.
- Precisamos de socorro imediatamente - gritou
Quitéria. - Alguém vá correndo Contar a Garganta o
que aconteceu.
Os animais todos correram à casa-grande para dar a
notícia a Garganta. Só ficaram Quitéria e Benjamim,
que se deitou ao lado de Sansão e, sem dizer uma
palavra, ficou a espantar-lhes as moscas com o
rabo comprido. Mais ou menos um quarto de hora
depois, Garganta apareceu, cheio de simpatia e
preocupação. Disse que o Camarada Napoleão
tomara conhecimento, abaladíssimo, do mal que
sucedera a um dos trabalhadores mais leais da
granja, e já estava tratando de enviar Sansão para
tratar-se no hospital em Willingdon. Os animais
sentiram certa inquietação (com exceção de Mimosa
e Bola-de-Neve, nenhum deles jamais saíra da
granja) e não gostaram da idéia de seu camarada ir
parar nas mãos dos humanos. Entretanto Garganta
os convenceu, facilmente, de que o cirurgião
veterinário de Willingdon poderia tratar do caso de
Sansão muito melhor do que eles, na granja. Cerca
de meia hora mais tarde, quando Sansão já se
recuperara um pouco, conseguiram pô-lo de pé e ele
cambaleou de volta até a baia, onde Quitéria e
Benjamim lhe haviam preparado uma boa cama de
palha.
Durante os dois dias seguintes Sansão permaneceu
na baia. Os porcos enviaram uma garrafa contendo
um remédio cor-de-rosa, encontrado no armarinho
do banheiro, e Quitéria servia-o a Sansão duas
vezes ao dia, após as refeições. À noite, Quitéria
permanecia a seu lado, conversando com ele,
enquanto Benjamim afastava as moscas. Sansão
afirmava não estar triste com o acontecido. Caso se
recuperasse bem, poderia viver mais três anos, e já
imaginava os dias tranqüilos que passaria no rincão
da pastagem. Seria a primeira vez que lhe sobraria
tempo de folga para estudar e melhorar seus
conhecimentos. Pretendia dedicar o resto de sua
existência ao aprendizado das vinte e duas letras
restantes do alfabeto.
Contudo, Benjamim e Quitéria só podiam estar a
seu lado após as horas de trabalho, e foi durante o
dia que o carroção veio buscá-lo. Os animais
estavam na lavoura semeando nabos, sob a
supervisão de um porco, e ficaram admirados ao
verem Benjamim a galope, vindo da direção das
casas da granja ao encontro deles, zurrando feito
louco. Era a primeira vez na vida que viam
Benjamim excitado - para falar a verdade era a
primeira vez que alguém o via galopar.
- Depressa, depressa! - gritou. - Venham depressa!
Estão levando Sansão! - Sem esperar ordens do
porco, largaram o trabalho e correram de volta para
as casas. Realmente, lá estava um carroção
fechado, puxado por dois cavalos, com um letreiro
no lado e um homem de chapéu-coco sentado na
boléia. A baia de Sansão estava vazia.
Os bichos se apinharam ao redor do carroção.
- Até breve, Sansão! gritaram. - Até breve!
- Idiotas! Idiotas! - exclamou Benjamim
corcoveando em volta deles e ferindo o chão com os
cascos pequeninos. - Imbecis! Não vêem o que está
escrito ali ao lado?
Isso fez calar os animais e ouviu-se um psss.
Maricota começou a soletrar as palavras, mas
Benjamim empurrou-a para um lado e leu em meio
a grande silêncio:
- “Alfred Simmonds, Matadouro de Cavalos,
Fabricante de Cola, Willingdon. Peles e Farinha de
Ossos. Fornece para Canis.” Será que vocês não
percebem? Vão levar Sansão para o carniceiro!
Houve um grito de horror dos bichos. Nesse
momento o homem da boléia estalou o chicote e os
cavalos saíram a trote vivo, abandonando o pátio.
Os bichos correram atrás, gritando com todas as
forças. Quitéria abriu caminho até a frente. O
carroção tomou velocidade. Quitéria tentou fazer
que suas pernas grossas galopassem e conseguiu
um trotezinho.
- Sansão! - gritou ela. - Sansão! Sansão! Sansão! -
Nesse exato momento, como se tivesse ouvido a
barulheira de fora, apareceu na janelinha de trás da
carroça a cara de Sansão, com sua mancha branca
no focinho.
- Sansão! - berrou Quitéria desesperadamente. -
Sansão! Saia daí! Saia depressa! Estão levando-o
para a morte!
Os bichos gritavam a um tempo:
- Saia daí, Sansão, saia daí! - Todavia o carroção
tomava velocidade e começava a distanciar-se. Não
podiam saber se Sansão havia entendido Quitéria.
Logo depois, entretanto, sua cara desapareceu da
janela e ouviu-se o barulho da tremenda pancadaria
de seus cascos no interior do carroção. Ele tentava
livrar-se de qualquer maneira. Tempo houve em que
com alguns coices Sansão transformaria aquela
carroça num monte de lenha. Mas, ai! sua força o
abandonara; em poucos instantes, o som das
batidas diminuiu e morreu. Desesperados, os
animais suplicaram aos dois cavalos que puxavam o
carroção para que se detivessem.
- Camaradas! Camaradas! - gritavam eles. Não
levem um irmão de vocês para essa morte! - Porém
os brutos estúpidos, ignorantes demais para
entenderem o que acontecia, limitaram-se a
murchar as orelhas e apertar o passo. A cara de
Sansão não reapareceu mais na janela. Alguém
pensou em correr à frente e fechar a porteira das
cinco barras, mas era tarde demais, pois logo o
carroção atravessava a porteira e desaparecia
rapidamente na estrada. Sansão nunca mais foi
visto.
Três dias mais tarde, chegou a notícia de que havia
falecido no hospital veterinário de Willingdon, a
despeito de ter recebido todos os cuidados que um
cavalo merece. Garganta veio dar a notícia.
Presenciara, disse, os últimos momentos de
Sansão.
- Foi a cena mais comovente de minha vida! - disse
Garganta, erguendo a pata e deixando rolar uma
lágrima. - Eu estava à sua cabeceira no instante
final. Quase sem poder falar, ele sussurrou ao meu
ouvido que seu único pesar era morrer antes de ver
terminado o moinho de vento. “Para a frente,
camaradas! Viva a Granja dos Bichos! Viva o
Camarada Napoleão! Avante em nome da
Revolução! Napoleão tem sempre razão.” Estas
foram suas últimas palavras, camaradas.
- A seguir, os modos de Garganta se transformaram.
Caiu em silêncio por um momento e seus olhinhos
deram miradas suspeitosas para os lados antes de
prosseguir.
Chegara a seu conhecimento, disse ele, que um
boato idiota e perverso circulara por ocasião da
baixa de Sansão. Alguns animais haviam notado
que na carroça que transportou Sansão estava
escrito “Matadouro de Cavalos”, chegando à
conclusão de que Sansão estava sendo mandado
para o carniceiro. Era quase inacreditável que um
bicho pudesse ser tão estúpido. Com certeza, gritou
ele indignado, sacudindo o rabicho e dando
pulinhos, com certeza todos conheciam seu amado
Líder, o Camarada Napoleão não? A explicação era
muito simples. A carroça pertencera, antes, ao
carniceiro, depois fora comprado pelo cirurgião
veterinário, que ainda não apagara letreiro. Eis
como se dera o engano.
Os bichos ficaram imensamente aliviados com isso.
E quando Garganta continuou dando detalhes sobre
a câmara mortuária de Sansão, o extraordinário
cuidado que recebeu e os caríssimos remédios que
Napoleão mandara comprar sem olhar o preço,
desapareceram suas últimas dúvidas e a tristeza
pelo camarada morto foi mitigada pela certeza de
que, pelo menos, morrera feliz.
O próprio Napoleão apareceu no encontro do
domingo seguinte e pronunciou uma singela oração.
em memória de Sansão. Não fora possível, explicou,
trazer de volta os despojos do lamentado camarada
para o enterro, porém dera ordem para que se
confeccionasse uma grande coroa com louros do
jardim e a enviara para ser colocada no túmulo de
Sansão. E anunciou que, alguns dias depois, os
porcos pretendiam realizar um banquete em
memória de Sansão.
Napoleão finalizou seu discurso relembrando as
duas máximas prediletas de Sansão. “Trabalharei
mais ainda e “O Camarada Napoleão tem sempre
razão”, máximas, disse, que cada animal deveria
adotar para si próprio. -
No dia marcado para o banquete, chegou de
Willingdon a carroça de um armazém e
desembarcou na casa-grande um engradado de
madeira. Naquela noite ouviu-se uma alta cantoria
seguida de algo que parecia uma discussão violenta
e que terminou cerca das onze horas com uma
tremenda barulheira de vidros quebrados. No dia
seguinte ninguém se levantou na casa-grande, até
o meio-dia, e correu uma conversa de que os porcos
haviam conseguido, não se sabia de que maneira,
dinheiro para adquirir outra caixa de uísque.

CAPÍTULO X
Passaram-se anos. As estações vinham, passavam
e a curta vida dos bichos se consumia. Tempo
chegou em que ninguém mais se lembrava de antes
da Revolução, com exceção de Quitéria, Benjamim,
o corvo Moisés e alguns porcos.
Maricota morreu; Ferrabrás, Lulu e Cata-vento
morreram. Jones também morreu num asilo de
alcoólatras, noutra cidade. Bola-de-Neve fora
esquecido. Sansão também, exceto pelos poucos
que o haviam conhecido. Quitéria era agora uma
égua velha, corpulenta, com os olhos atacados pela
catarata. Já ultrapassara de dois anos a idade de
aposentadoria. Aquela história de reservar um
pedaço de campo para os animais idosos não era
mais nem mencionada. Napoleão tornara-se um
cachaço madurão de uns cento e cinqüenta quilos.
Garganta estava tão gordo que mal conseguia abrir
os olhos. Somente Benjamim continuava o mesmo,
apenas de focinho um pouco mais grisalho e, desde
a morte de Sansão, mais rabugento e taciturno do
que nunca.
Agora existiam muito mais criaturas na granja
embora o índice de crescimento não fosse aquele
que esperavam nos primeiros anos. Haviam nascido
muitos animais, para os quais a Revolução não
passava de uma obscura tradição transmitida
verbalmente, e outros que nem sequer tinham
ouvido falar coisa nenhuma a respeito. A granja
contava agora com três cavalos além de Quitéria.
Eram bichos formidáveis, trabalhadores incansáveis,
bons camaradas mas muito estúpidos. Nenhum se
mostrou capaz de aprender o alfabeto além da letra
B. Aceitavam tudo quanto lhes era dito a respeito
da Revolução e dos princípios do Animalismo,
especialmente por Quitéria a quem dedicavam um
respeito filial, mas era duvidoso que entendessem
lá grande coisa.
A granja prosperava e estava mais bem organizada;
fora até aumentada pela compra de dois tratos de
terra ao Sr. Pilkington. O moinho de vento afinal,
fora concluído com êxito e a granja possuía uma
debulhadeira e um elevador de feno próprio, e
construções novas se haviam erguido. Whymper
comprara uma aranha. O moinho de vento,
entretanto, não era usado para gerar energia
elétrica. Usavam-no para moer cereais, coisa que
dava bom dinheiro. Os animais estavam a braços
com a construção de outro moinho de vento;
quando este estivesse concluído, dizia-se, seriam
instalados os dínamos. Mas naquele luxo de que
Bola-de-Neve lhes falara certa vez, baias com luz
elétrica e água quente e fria, e na semana de três
dias, não se falava mais. Napoleão denunciara tais
idéias como contrárias aos princípios do
Animalismo. A verdadeira felicidade, dizia ele,
estava em trabalhar bastante e viver frugalmente.
De certa maneira, parecia como se a granja se
houvesse tornado rica sem que nenhum animal
tivesse enriquecido - exceto, é claro, os porcos e os
cachorros. Talvez isso acontecesse por haver tantos
porcos e tantos cachorros. Não que esses animais
não trabalhassem, à sua moda. Garganta nunca se
cansava de explicar que havia um trabalho insano
na ação de supervisionar e organizar a granja.
Grande parte desse trabalho era de natureza tal
que estava além da ignorância dos bichos. Tentando
explicar, Garganta dizia-lhes que os porcos
despendiam diariamente enormes esforços com
coisas misteriosas chamadas “arquivos”,
“relatórios”, “minutas” e “memorandos”. Eram
grandes folhas de papel que precisavam ser
miudamente cobertas com escritas e, logo depois,
queimadas no forno. Era tudo da mais alta
importância para o bem-estar da granja, dizia
Garganta. A verdade é que nem os porcos nem os
cachorros produziam um só grama de alimento com
o seu trabalho; e havia um bocado deles, com o
apetite sempre em forma.
Quanto aos outros, sua vida, ao que sabiam,
continuava a mesma. Geralmente andavam com
fome, dormiam em camas de palha, bebiam égua no
açude e trabalhavam no campo; no inverno, sofriam
com o frio; no verão, com as moscas. De vez em
quando, os mais idosos rebuscavam a apagada
memória e tentavam determinar se nos primeiros
dias da Revolução, logo após a expulsão de Jones,
as coisas haviam sido melhores ou piores do que
agora. Não C9nseguiam lembrar-se. Nada havia com
que estabelecer comparação: não tinham em que
basear-se, exceto as estatísticas de Garganta, que
invariavelmente provavam estar tudo cada vez
melhor. Os bichos consideravam o problema
insolúvel; de qualquer maneira, dispunham de
muito pouco tempo para essas especulações.
Apenas o velho Benjamim afirmava lembrar-se de
cada detalhe de sua longa vida e saber que as
coisas nunca haviam estado e nunca haveriam de
ficar nem muito melhor nem muito pior, sendo a
fome, o cansaço e a decepção, assim dizia, a lei
imutável da vida. - -
Mesmo assim os bichos nunca perdiam a esperança.
Mais ainda, jamais lhes faltava, nem por instantes,
o sentimento de honra pelo privilégio de serem
membros da Granja dos Bichos que continuava ser a
única em todo o condado - em toda a Inglaterra! -
de propriedade dos animais e por eles
administrada. Nenhum deles, nem mesmo os mais
moços, nem mesmo os chegados de outras granjas,
situadas algumas a dez ou vinte quilômetros de
distância, jamais deixaram de maravilhar-se com
isto. E quando ouviam o tiro da espingarda e viam a
bandeira flutuando no topo do mastro, seu coração
se inchava de orgulho e a conversa passava a girar
em torno dos históricos dias de antanho, da
expulsão de Jones, da inscrição dos Sete
Mandamentos, das grandes batalhas em que os
invasores humanos haviam sido derrotados.
Nenhum dos antigos sonhos fora abandonado. A
República dos Bichos, que o velho Major havia
previsto, quando os verdes campos da Inglaterra
não mais seriam pisados pelos pés humanos, era
coisa em que ainda acreditavam. O dia havia de
chegar. Podia ser mais cedo ou mais tarde, talvez
não acontecesse durante a vida de qualquer dos
animais de então, mas havia de chegar. Até a
melodia de Bichos da Inglaterra talvez fosse
cantarolada secretamente aqui e ali; de qualquer
maneira, a verdade é que cada bicho da granja a
conhecia, embora nenhum tivesse coragem de
cantá-la em voz alta. Talvez fosse verdade que a
vida era difícil e que nem todas as suas esperanças
se haviam concretizado; mas tinham a consciência
de não serem iguais aos outros animais. Se tinham
fome, não era por alimentarem alguns tirânicos
seres humanos; se trabalhavam arduamente, pelo
menos trabalhavam em seu próprio benefício.
Nenhuma criatura dentre eles andava sobre duas
pernas. Nenhuma criatura era “dona” de outra.
Todos os bichos eram iguais.
Certo dia, no início do verão, Garganta mandou que
as ovelhas o seguissem e levou-as para um campo
situado nos confins da granja, que fora tomado de
brotação de vidoeiro. As ovelhas passaram o dia
inteiro roendo as brotações, sob a supervisão de
Garganta. À noite, ele regressou à granja, mas,
como disse às ovelhas que permanecessem lá,
terminaram ficando a semana toda durante a qual
os outros bichos nem as enxergavam. Garganta
passava com elas a maior parte do dia. Estava,
explicou, ensinando-lhes uma nova canção para a
qual precisava de certo sigilo.
Foi logo após o retorno das ovelhas, numa noite
agradável, quando os bichos haviam terminado seu
trabalho e regressavam à granja, que se ouviu,
vindo do pátio, um relinchar horripilante. Arrepiados
os animais estacaram. Era a voz de Quitéria. Ela
relinchou outra vez e os bichos dispararam a galope
para o pátio. Viram, então, o que ela havia visto.
Um porco caminhava sobre as duas patas traseiras.
Sim, era Garganta. Um tanto desajeitado devido à
falta de prática em manter seu volume naquela
posição, mas em perfeito equilíbrio, passeava pelo
pátio. Momentos depois, saiu pela porta da casa
uma comprida coluna de porcos, todos caminhando
sobre as patas de trás. Uns melhor que os outros,
um ou dois até meio desequilibrados e dando a
impressão de que apreciariam o apoio de uma
bengala, mas todos fizeram a volta ao pátio
bastante bem. Finalmente houve um alarido dos
cachorros, ouviu-se o cocoricó esganiçado do
garnisé e emergiu Napoleão, majestosamente,
desempenado, largando olhares arrogantes para os
lados, com os cachorros brincando à sua volta.
Trazia nas mãos um chicote.
Houve um silêncio mortal. Surpresos, aterrorizados,
uns junto aos outros, os bichos olhavam a fila de
porcos marchar lentamente em redor do pátio.
Pareceu-lhes enxergar o mundo de cabeça para
baixo. Então veio um momento em que, passado o
choque e a despeito de tudo - a despeito do terror
dos cachorros e do hábito, arraigado após tantos
anos, de nunca se queixarem, nunca criticarem,
pouco importava o que sucedesse -, poderiam
lançar uma palavra de protesto. Porém, exatamente
nesse instante, como se obedecessem a um sinal
combinado, as ovelhas. em uníssono, estrondaram
num espetacular balido:
- Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro
pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas
bom, duas pernas melhor!
Baliram durante cinco minutos sem cessar. E,
quando se calaram, fora-se a oportunidade da
palavra de protesto, pois os porcos já haviam
voltado para dentro da casa.
Benjamim sentiu um focinho esfregar-lhe o ombro.
Era Quitéria. Seus olhos pareciam mais encobertos
que nunca. Sem dizer palavra, ela o puxou
delicadamente pela crina, levando-o até o fundo do
grande celeiro, onde estavam escritos os Sete
Mandamentos. Durante um ou dois minutos ficaram
olhando a parede alcatroada com o grande letreiro
branco.
Minha vista está falhando - disse ela finalmente. -
Mesmo quando eu era moça não conseguia ler o que
estava escrito aí. Mas parece-me agora que parede
está meio diferente. Os Sete Mandamentos são os
mesmos de sempre, Benjamim?
Pela primeira vez, Benjamim consentiu em quebrar
sua norma, e leu para ela o que estava escrito na
parede. Nada havia, agora, senão um único
Mandamento dizendo:
TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS
MAS ALGUNS ANIMAIS SÃO MAIS
IGUAIS DO QUE OS OUTROS
Depois disso, não foi de estranhar que, no dia
seguinte, os porcos que supervisionavam o trabalho
da granja andassem com chicotes nas patas. Nem
estranharam ao saber que os porcos haviam
comprado um aparelho de rádio, que estavam
tratando da instalação de um telefone e da
assinatura de jornais e revistas. Não estranharam
quando Napoleão foi visto passear nos jardins da
casa com um cachimbo na mão, nem quando os
porcos se assenhorearam das roupas do Sr. Jones e
passaram a usá-las, sendo que Napoleão
apresentou-se vestindo um casaco negro, calças de
caçador e perneiras de couro, enquanto sua porca
favorita surgia com o vestido de seda que a Sra.
Jones usava aos domingos.
Uma semana mais tarde, após o meio-dia,
apareceram numerosas charretes subindo rumo à
granja. Uma representação de granjeiros vizinhos
fora convidada a realizar uma visita de inspeção.
Toda granja lhes foi mostrada e eles expressaram
admiração por tudo quanto viram, especialmente
pelo moinho de vento. Os bichos estavam limpando
a lavoura de nabos. Trabalhavam diligentemente,
mal levantando o olhar do chão e sem saber a quem
temer mais, se os porcos, se os visitantes
humanos.
Naquela noite, altas risadas e cantorias chegaram
da casa. Lá pelas tantas, ante o som das vozes
misturadas, os bichos encheram-se de curiosidade.
Que estaria acontecendo lá dentro, agora que, pela
primeira vez, encontravam-se em teremos de
igualdade os animais e os seres humanos?
Pensando todos a mesma coisa, dirigiram-se
furtivamente para o jardim da casa.
No portão titubearam, um tanto temerosos, mas
Quitéria deu o exemplo e entrou. Andaram, pé ante
pé, até a casa, e os mais altos espiaram pela
janela da sala de jantar. Lá dentro, em volta de
uma mesa grande, estavam sentados meia dúzia de
granjeiros e meia dúzia de porcos dentre os mais
eminentes, Napoleão no lugar de honra, à
cabeceira. Os porcos pareciam perfeitamente à
vontade em suas cadeiras. O grupo estivera
jogando cartas, mas havia interrompido o jogo por
instantes, evidentemente para os brindes. Um
grande jarro circulava e os copos se enchiam de
cerveja. Ninguém notou as caras admiradas dos
bichos, que espiavam pela janela.
O Sr. Pilkington, de Foxwood, levantara-se com o
copo na mão. Disse que ia convidar os presentes
para um brinde. Mas, antes, desejava dizer algumas
palavras, que julgava de seu dever pronunciar.
Era motivo de grande satisfação para ele - e tinha
certeza de que falava por todos os demais -sentir
que o longo período de desconfianças e
desentendimentos chegara ao fim. Tempo houvera -
não que ele ou qualquer dos presentes tivesse
pensado dessa maneira -, mas tempo houvera em
que os respeitáveis proprietários da Granja dos
Bichos haviam sido olhados, não diria com
hostilidade, mas com uma certa apreensão, por
seus vizinhos humanos. Ocorreram incidentes
desagradáveis e idéias errôneas haviam circulado.
Parecera a muitos que a existência de uma granja
pertencente a animais e por eles administrada era
coisa um tanto fora do comum e poderia vir a
causar transtornos à vizinhança. Muitos granjeiros
supuseram, sem as verificações devidas, que em tal
granja prevaleceria um espírito de licensiosidade e
indisciplina. Haviam-se preocupado com o efeito de
tudo isso sobre seus próprios animais e, até
mesmo, sobre seus empregados humanos. Mas
todas essas dúvidas estavam agora dissipadas.
Hoje ele e seus companheiros haviam visitado a
Granja dos Bichos, inspecionando cada metro
quadrado com seus próprios olhos, e que haviam
encontrado? Não apenas métodos dos mais
modernos, mas uma ordem e uma disciplina que
podiam servir de exemplo. Julgava poder afirmar
que os animais inferiores da Granja dos Bichos
trabalhavam mais e recebiam menos comida do que
quaisquer outros animais do condado. Para falar a
verdade, ele e seus companheiros de visita haviam
visto, naquele dia, muita coisa que pretendiam
introduzir imediatamente em suas próprias granjas.
Finalizaria suas palavras, continuou, assinalando
mais uma vez os sentimentos de amizade, que
prevaleciam e deviam prevalecer entre a Granja dos
Bichos e seus vizinhos. Entre os porcos e os seres
humanos não havia, e eram inteiramente
inadmissíveis quaisquer conflitos de interesses.
Suas lutas e suas dificuldades eram uma só. Pois o
trabalho não constituía o mesmo problema em toda
parte? A essa altura evidenciou-se que o Sr.
Pilkington pretendia soltar para a platéia algum dito
espirituoso, mas por alguns momentos pareceu por
demais dominado pelo gozo da própria piada, para
poder dizê-la. Depois de muita sufocação, que
deixou vermelhos os seus vários queixos, ele
conseguiu largá-la: “Se os senhores têm que lutar
com os seus animais inferiores, nós temos as
nossas classes inferiores”. Este bon mot causou
sensação na mesa, e o Sr. Pilkington novamente
felicitou os porcos pelas baixas rações, pelas
muitas horas de trabalho e pela ausência geral de
tolerância que observara na Granja dos Bichos.
E agora, disse finalmente, convidava o grupo a
levantar-se e verificar se os copos estavam cheios.
- Senhores - concluiu o Sr. Pilkington - proponho um
brinde: À prosperidade da Granja dos Bichos!
Houve uma entusiástica saudação e depois muitas
palmas. Napoleão ficou tão emocionado que deixou
seu lugar e deu a volta à mesa para tocar com seu
copo o do Sr. Pilkington, antes de esvazia-lo.
Quando as felicitações acabaram, Napoleão, que
permanecera de pé, disse que iria também proferir
algumas palavras.
Como todos os discursos de Napoleão, aquele foi
curto e direto ao assunto. Também ele, disse,
alegrava-se de que o período de desentendimentos
tivesse chegado ao fim. Por longo tempo houve
rumores - inventados, acreditava, e tinha razões
para isso, por algum inimigo mal-intencionado - de
que havia algo de subversivo e mesmo de
revolucionário nos pontos de vista seus e de seus
companheiros. Tinham passado por desejosos de
fomentar a rebelião entre os animais das granjas
vizinhas. Nada podia estar mais longe da verdade!
Seu único desejo, agora como no passado era viver
em paz e gozando de relações normais com os seus
vizinhos. Aquela granja que ele tinha a honra
governar, acrescentou, era um empreendimento
cooperativo. As escrituras que estavam em seu
poder conferiam a posse a todos os porcos.
Não acreditava que ainda restassem quaisquer das
velhas suspeitas, mas certas modificações na rotina
da granja haviam sido introduzidas com o fito de
promover uma confiança ainda maior. Até aquele
momento os bichos haviam conservado o hábito
imbecil de dirigirem-se uns aos outros pela alcunha
de “camarada”. Isso ia acabar. Existira também o
costume insólito, cuja origem era desconhecida, de
marchar aos domingos, desfilando frente a uma
caveira de porco pregada num poste. Isso também
ia acabar, e a caveira já for a enterrada. Os
visitantes com certeza teriam observado também a
bandeira verde que tremulava no poste. Nesse caso
teriam notado que as antigas figuras do chifre e da
ferradura, em branco, haviam sido suprimidas. Daí
por diante seria uma bandeira puramente verde.
Tinha apenas um reparo, disse, a fazer ao excelente
discurso, bem próprio de um bom vizinho, do Sr.
Pilkington. O Sr. Pilkington referira-se o tempo todo
à “Granja dos Bichos”. Naturalmente ele não podia
saber - mesmo porque Napoleão o estava
proclamando, naquele instante, pela primeira vez -
que a denominação “Granja dos Bichos” for a
abolida. A partir daquele momento, sua granja
voltaria a ser conhecida como “Granja do Solar”,
que, aliás, parecia-lhe, era seu nome correto e
original.
Senhores - concluiu Napoleão , levantarei o mesmo
brinde, mas sob forma diferente. Encham, até a
borda, seus copos. Senhores, este é o meu brinde.
À prosperidade da Granja do Solar!
Houve as mesmas calorosas felicitações de antes, e
os copos foram esvaziados. Mas aos olhos dos
bichos, que lá de for a espiavam, pareceu que algo
estranho estava acontecendo. Que diabo teria
alterado a cara dos porcos? Os olhos embaçados de
Quitéria iam de uma cara para outra. Algumas
tinham cinco queixos, outras quatro, outras três.
Mas alguma coisa parecia misturá-las e modificá-
las. Então, findos os aplausos, o grupo pegou
novamente nas cartas, reencetando o jogo
interrompido, e os animais afastaram-se
silenciosamente.
Não haviam, porém, chegado sequer a vinte metros
quando se detiveram, ante o vozerio alto que vinha
lá de dentro. Voltaram correndo e tornaram a espiar
pela janela.
Realmente, era uma discussão violenta. Gritos,
socos na mesa, olhares suspeitos, furiosas
negativas. A origem do caso, ao que parecia, fora o
fato de Napoleão e o Sr. Pilkington haverem, ao
mesmo tempo, jogado um ás de espadas.
Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas
iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que
sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de
fora olhavam de um porco para um homem, de um
homem para um porco e de um porco para um
homem outra vez; mas já se tornara impossível
distinguir quem era homem, quem era porco.
FIM


O texto A REVOLUÇÃO DOS BICHOS, de GEORGE ORWELL foi
gentilmente cedido por Nélson Jahr Garcia, que nasceu em São
Paulo, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Professor da USP, e de outras Faculdades Particulares. Fez
mestrado e doutoramento em Ciências da Comunicação na ECAUSP.
Escreve livros, artigos. É webdesigner e ebook-publisher.
Tem um site fácil de acessar: www.jahr.org , filiado à
www.ebooksbrasil.com, onde edita vários livros, especialmente
clássicos. Espera, como retribuição, sentir que, difundindo
conhecimento, contribuiu para o desenvolvimento da cultura
humana.

Para corresponder com Nélson Jahr Garcia escreva:
jahr@jahr.org
jahr@dglnet.com.br

O crédito deste texto pertence a fonte indicada no início do texto, destaca-se que o texto foi anexado a este blog para facilitar o acesso dos alunos. Prof Fábio.